quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Capítulo 38 - As Revelações do Diário, parte I

Duas horas da tarde. Adam acabara de entrar no banheiro quando os outros ouviram sua voz:

- BOMBA! - berrou, enquanto saia correndo.

- Onde? - perguntou-lhe Nicole, confusa.

- Não importa! Saia daqui imediatamente! - E acrescentou: - Venham todos, venham!

Assim que Adam alcançou a porta da confeitaria, Jacques, Samantha, Davis e Gary já haviam chegado lá para saber o motivo da gritaria.

- Que foi? - perguntou Samantha.

- Depois explico! Saiam já, vão! - E enquanto falava, Adam, abria a porta da confeitaria e se arremessava para fora, seguido pelos outros.

Mesmo na rua, o pupilo de Jacques não descansou e ordenou a todos que se afastassem o máximo da confeitaria. Somente quando estavam a 100 metros do estabelecimento, Adam tomou fôlego e esclareceu:

- Havia um bilhete no banheiro... dizia que às duas horas aquele lugar iria explodir!

O físico olhou no relógio.

- Mas já passam alguns minutos das duas.

- Eu sei. Por isso é que...

CABRUM! O barulho da explosão abafou completamente a voz de Adam e a visão de toda a confeitaria se desmanchando como um castelo de cartas jamais saiu da memória deles.

Novamente por causa de uma bomba, o lugar havia sido desorganizado, só que, dessa vez, para sempre. Não haveria um vestígio sequer de um pacote de bolacha ou um saquinho de tempero.

Os mantimentos agora eram parte dos destroços. Os tijolos das paredes e todos os alimentos se uniram em meio aos escombros.

Foi aí que Adam se deu conta de algo que, devido à pressa e ao desespero, não havia notado momentaneamente.

- Cadê a Nicole? Nicole! NICOLE!

Ele olhava para os lados desesperadamente, mas ela não estava ali; no fundo, sabia qual fora o destino da moça. Mesmo assim, não podia aceitar que o fim dela tivesse sido desse modo, e continuava gritando.

Contudo, a moça não poderia mais responder ao seu chamado: estava soterrada sob o que restou da confeitaria.

Depois que entrou pela primeira vez, Nicole nunca saíra do recinto. Havia morrido lá mesmo, abandonada, vítima de uma explosão cruel e atroz.

Desistindo de procurar sua amiga, Adam olhou para os outros quatro. E cada vez que seu olhar encontrava o dos demais, sua raiva ia aumentando, crescendo incessante e incontrolavelmente.

Um deles havia matado Nicole. Um deles havia assassinado quase trinta pessoas friamente.

Jacques, Davis, Gary, Samantha.

Todos o olhavam com indignação e inocência, no entanto, Adam sabia que entre eles estava o farsante, o homicida de Nicole.

O francês tentou consolá-lo, porém ele não confiava mais em Jacques. Não confiava mais em ninguém.

O único motivo pelo qual Adam não atacou um por um foi porque não era cruel como Kaninchen. Não seria capaz de ferir três inocentes objetivando acometer um só.

- Adam? Adam, me escute! Você sabe por que Nicole não conseguiu sair a tempo? - perguntou o francês.

- Não, não, eu... talvez ela tenha ido ao banheiro pra ver se havia mesmo uma bomba... eu não sei...

- Você conhece um lugar para nos ficarmos? - indagou Samantha.

- Conheço, conheço... - disse, olhando para frente - Tem um esconderijo que você ainda não achou.

- Eu?! - perguntou, confusa.

- Talvez. Me referia a Kaninchen.

- Adam, pare de nos lembrar que o Kan está entre nós. Não faz idéia de como isso é incômodo!

- Incômodo? Não sabe o que é isso, Jacques! Acha que foi cômodo chegar aqui com dezenas de pessoas e ver todos morrerem? Acha que eu me divirto sendo o único sobrevivente entre mais de trinta?

Ninguém retrucou. Eles também sabiam o quanto era difícil ver as pessoas sendo assassinadas pouco a pouco.

Gary, preocupado, questionou:

- Ainda há comida naquelas duas geladeiras que vocês encontraram, certo?

- Infelizmente, não. Éramos em muitos, a comida era pouca... - respondeu Adam.

- E agora? - desesperou-se Samantha.

Não houve resposta. Nenhum deles tinha uma solução

- Daremos um jeito. Sigam-me. - ordenou Adam.

E lá se foram os cinco. Viravam ruas pelas quais se lembravam vagamente de terem passado antes, viam manchas de sangue nos paralelepípedos, e se recordavam dos primeiros dias em que estiveram naquela cidade.

Davis, Gary e a única mulher que restara no grupo iam um pouco atrás e Adam, já mais controlado, conversava com Jacques logo à frente.

- Minutos antes de chegar aqui, estava usando minha luneta - contou Jacques.

-Vendo a aproximação da Proxima Centauri? - indagou Adam.

- Uhum. Você viu?

- Claro, mesmo daqui. Que astrônomo amador perderia esse fenômeno?

Jacques riu.

- É verdade... Então você certamente percebeu que algo extraordinário ocorreu... Eu até saí de minha casa, para avisar ao seu irmão o que estava acontecendo, quando apareci aqui.

- O que exatamente você viu?

- Eu vi uma coisa inexplicável, o fenômeno mais belo... algo tão excêntrico... várias misturas de cores começaram a ocorrer, e explosões e... - fez uma pausa para tomar fôlego. - Você deve ter visto. Mesmo daqui, era visível, não?

- Era, era sim. Mas não o tal espetáculo que você descreve.

- Ah, impossível! Você não deve ter olhado no momento certo - o sorriso de excitação sumia do rosto do físico.

- Eu olhei, Jacques. Vi a aproximação da estrela até quando ela foi se afastando e deixou de ser visível a olho nu.

- No entanto, você não viu as explosões e a fantasia no céu?

- Não. Aquilo não era nada, Jacques.

- Como nada? Era algo inigualável, era...

- Você não viu o que pensa que viu - lamentou Adam.

- O quê? Eu não estava bêbado, se é isso que está insinuando. Não me culpe por algo que você não viu!

- Não estou te culpando. Não é culpa sua.

- Adam, eu não estou entendendo...

- Você não estava bêbado, estava alucinado.

Jacques virou-se para ele e fez uma cara de interrogação.

- Alucinado? Como assim, o que quer dizer? - espantou-se.

- Exatamente o que eu disse. Você estava vendo alucinações, tendo visões irreais, estava tudo em sua mente.

- Você não acredita em mim, não é?

- Não é essa a questão. É que se logo depois de ver o fenômeno você apareceu aqui, provavelmente estava nesse estado de desvario. Primeiro, porque nada demais aconteceu durante a aproximação da estrela; eu sei, pois, como já disse, eu a observei também. E segundo, porque é assim que eles fazem, é assim que chegou aqui.

- Como é?

Quem fez a pergunta desta vez não foi Jacques, foi Gary. Todos agora caminhavam próximos a Adam, para ouvir seu esclarecimento.

- Bom, nós descobrimos isso lendo o diário - ele falou. - O aparecimento de todos aqui na cidade não foi magia ou um truque. Acontece é que eles os drogaram.

- Quê?!- ouviu-se quatro vozes diferentes exclamarem.

- Exatamente. A diferença é que essa tal droga é um gás quase imperceptível, conforme Willard descreve. Diz ele que assim que é inalado, a pessoa começa a ter leves alucinações, sua visão começa a clarear e ela desmaia.

Durante um tempo estranhamente longo, ninguém falou nada. Ainda digeriam a revelação.

- Então... foi assim? - perguntou Samantha, boquiaberta.

- Foi.

- Mas espere... - disse Davis. - Quer dizer que nada do que vimos pouco antes de desmaiarmos foi real?

- Mais ou menos - afirmou Adam. - Digo, as alucinações eram poucas, muita coisa que estava ao seu redor você ainda enxergava. No entanto, o que achou ser algo inacreditável, era efeito do alucinógeno.

“Eu, por exemplo, pensei que meu prédio estava desmoronando! Quando comecei a descer as escadas para sair de lá, tudo ficou branco e eu imaginei que haviam jogado uma bomba, ou algo assim. Tudo mentira.”

A idéia ainda parecia surreal demais para ser aceita.

- Mas como...? Eu não inalei gás algum, não havia ninguém na minha casa!

- Poderia não haver, Samantha, - concordou Adam - porém, horas antes, Willard ou Wert havia instalado lá um pequeno aparelho que exala o tal gás.

- Colocaram na casa de cada um?!

- No diário, ele afirma que sim.

- E onde conseguiram essa droga?

- Diz ele que contrabandearam. Não é um gás muito comercializado, no entanto, alguns batalhões policiais já testam o artefato. Uma química que estava em nosso grupo nos contou que esse tal gás contém entre seus componentes extrato de papoulas soníferas, a mesma planta de onde se extrai o ópio.

Os olhos de Gary ainda refletiam surpresa:

- Tudo isso é tão difícil de acreditar! Parece...

- Mentira - completaram Davis, Samantha e Jacques juntos.

- Eu sei - concordou Adam. - Mas vejam que tudo se encaixa. E outra, vocês estão há mais de duas semanas em uma cidade onde seus amigos são mortos inocentemente e há uma estátua que se mexe sozinha. Ainda acham difícil de acreditar em alguma outra coisa?

- Ah! - exclamou a moça. - E sobre o mistério da estátua, ele diz alguma coisa?

- Diz - respondeu. - Contarei tudo a vocês assim que chegarmos ao nosso destino.

Eles agora caminhavam ocupados rememorando a manhã em que desapareceram, procurando confirmar o que o desalinhado rapaz que ia logo adiante acabara de dizer. E tanto para Gary, quanto para os outros três, não havia dúvidas que toda aquela teoria poderia ser verdade.

Enquanto o físico lamentava não ter existido a maravilha celeste que imaginara, Davis tinha dificuldades em organizar seus pensamentos. Todas as suas dúvidas eram direcionadas para uma só pergunta: Será que a casa dele realmente explodiu, ou foi tudo uma simples ilusão?

- Chegamos - Adam anunciou.

O lugar que iria servir de novo abrigo para eles parecia ser uma casa pequena. Não era como as outras: a única coisa visível era uma porta e um pedaço de parede com uma pintura bege bastante gasta. Ao lado, havia uma construção também com uma cor clara, o que facilitava a camuflagem do local onde morariam agora.

- Se bem que não adianta muito nos escondermos. O assassino está entre nós mesmo - lembrou Adam.

Assim que entraram, constataram que a habitação era bem maior do que imaginavam. Tinha seis cômodos razoavelmente amplos, alguns móveis e muitas cadeiras espalhadas pela sala.

“Sentem-se. Se acomodem.”

Logo que os cinco estavam aconchegados nos assentos de madeira e vime, foi Adam quem falou novamente:

- Bem, precisamos ser rápidos com isso. Acabamos perdendo tempo na outra casa e... - ele não completou. - O fato é que vocês precisam saber a respeito do diário e agora é a hora de eu lhes dizer tudo.

“Primeiramente, preciso alertá-los de que não sabemos como, mas aparentemente algumas páginas foram queimadas por acidente e, por isso, há alguns trechos e algumas páginas que não sabemos o que diziam. Muitas partes foram danificadas, principalmente no começo; no entanto, vocês verão o quanto descobrimos lendo apenas as palavras em latim que sobreviveram às labaredas.”

“Da primeira página, escrita dia 17, não restou praticamente nada, mas não parece que dizia algo muito importante. Ao que parece, ele apenas se apresenta e explica o porquê de chamar seu irmão ou irmã pelo codinome. Infelizmente, não restaram as linhas revelando a verdadeira identidade dessa pessoa.”

“Bem, os registros legíveis começam no dia 18 de Agosto...”

* * *

18 de Agosto

Acabamos de chegar na cidade. Eu e Wert. Faz três dias que nossa irmã morreu, e só aí nós percebemos que não há como escapar. O tabuleiro não perdoa.

Escolhemos uma boa casa, em lugar estratégico, para nos escondermos quando a cidade estiver cheia de gente. Por enquanto a cidade está vazia, mas em breve traremos habitantes de Scacci para cá.

Scacci não fica tão perto, mas Wert - que morou lá durante tanto tempo - a conhece como palma das mãos e isso é vantajoso para nós.

Nada fica muito próximo daqui, só montanhas e campos, por isso raramente alguém descobre essa cidadezinha.

Mesmo assim é um lugar adorável. Talvez eu pense isso somente porque nasci aqui e não tenho muita certeza se vão ser da mesma opinião as pessoas que trarei para cá.

Não sou tão favorável à idéia de matar tanta gente inocente, mas é a minha vida e a de Wert que estão em risco. E o tabuleiro não perdoa.

(Continua...)


Próximo capítulo (segunda parte): Domingo, 30 de dezembro

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