domingo, 5 de agosto de 2007

Capítulo 11 - Ravintola

Nos capítulos anteriores...

Havia um pouco mais de um dia que aquelas dezessete pessoas haviam chegado a uma cidade deserta e misteriosa. Depois de presenciarem um homem morrer com uma bala nas costas após proferir “Cuidado com o Kan” como suas últimas palavras, passam a noite na praça daquele interessante lugar. Ao amanhecer, notam o sumiço de Ian, um do grupo, mas se distraem ao perceber que a estátua que representava duas pessoas jogando xadrez e um tabuleiro com todas as peças estava diferente; a rainha branca e o rei preto haviam se movido para o centro do tabuleiro e dois peões - um de cada lado - haviam desaparecido. Antes que eles pudessem se recuperar do espanto ao constatarem que a
automovimentação e o sumiço das peças seria impossível, Gary, um integrante da turma que havia ido dar uma volta, retorna com uma novidade amedrontadora: Ian estava morto.

Crédito da ilustração: O autor

Estavam todos ao redor do corpo estirado na rua. O sangue de Ian ainda escorria em direção às fendas entre os paralelepípedos; o líquido saia de seu corpo e de sua cabeça, a qual estava a um metro do corpo.

Era assustador saber que ele havia sido assassinado de modo tão brutal e, provavelmente, sem motivo. A arma usada no homicídio não estava por perto, o único vestígio da delinqüência era Ian.

Muitas das mulheres e alguns homens também evitavam olhar para o corpo e, principalmente, para a cabeça, parcialmente tingida de vermelha pelo sangue.

Ajudados por Gary, que havia achado o corpo, e Davis, que havia explorado a área anteriormente, todos os dezesseis se encaminharam para a cena do crime.

Apesar de ninguém ter tido proximidade o suficiente para chorar por Ian, muitos lamentavam o destino do homem. O que mais os angustiava e dava um nó em suas gargantas, no entanto, era o fato de ter havido outra morte.

Até poucos minutos atrás eles podiam deixar de encarar a realidade, mentindo para si mesmos e acreditando que nada era real. Agora era diferente.

A decapitação de um do grupo despertava o temor de que pudesse haver mais homicídios até eles conseguirem sair daquela cidade. O que antes eles consideravam um sonho estava começando a ficar bem real...

* * *

Trinta minutos depois, todos estavam comendo e bebendo pela primeira vez em 25 horas. Grande parte deles se deliciava com um misto frio, outros se contentavam com um creme verde e pastoso. Lin até havia procurado algo como sushi ou yakisoba na imensa cozinha, mas para seu infortúnio o lugar não servia comida oriental.

O restaurante onde eles estavam agora havia sido notado há meia hora por Joanne. Enquanto evitava olhar para o corpo de Ian, ela observara os estabelecimentos ao redor. Ninguém havia reparado no lugar ainda porque não havia nada indicando que aquela parede vermelha onde uma porta velha e descascada estava embutida era a entrada de um restaurante.

No entanto, ao olhar pela janela, Joanne viu várias mesas, cadeiras e uma travessa em que provavelmente eram postos os pratos do self-service. Sem dúvida haveria comida lá.

Após comunicar os outros sua descoberta, eles ficaram em dúvida se deveriam realmente entrar. E se alguém estivesse se escondendo lá dentro?

Por fim, eles acabaram se decidindo por correr o risco, se isso era necessário para eles saciarem sua fome.

Agora eles já estavam lá, comendo o que havia restado na geladeira, que era, basicamente, misto frio, a massa esverdeada e cinco garrafas de vinho branco suave; justamente o que eles nunca esperariam encontrar como os únicos alimentos em um lugar como aquele.

Enquanto eles usavam os artifícios da gula para tentar esquecer o defunto estendido na rua do lado de fora, outra grande incógnita pairava sobre a cabeça deles: alguma vez esse restaurante já teve clientes?

Havia muitas explicações para um estabelecimento daquele não ter comida adequada na geladeira, mas nenhuma respondia o porquê dos alimentos estocados.

Em uma das mesas, Jaqueline achou um cardápio. Como ele estava escrito em uma língua que ela não compreendia, a única coisa que ela fez foi entregá-lo com desdém à Edwin. O homem a estivera observando com curiosidade em descobrir o que ela lia, e, aparentemente, não descansaria até cessar sua indignação. Percebendo isso e sem nenhum interesse em tentar ler o cardápio e nem em continuar sendo observada tão escancaradamente, a irmã de Joanne deu a Edwin o menu do restaurante.

Ao recebê-lo, Edwin ficou surpreso ao perceber o idioma em que ele estava escrito, mas logo o reconheceu e foi às pessoas mais próximas comunicar sua descoberta.

- Vejam, - disse - é o cardápio do lugar.

- Mas... que língua é essa!? - espantou-se Nicholas, ao ver o papel que o arquiteto havia trazido.

- É finlandês. - respondeu Edwin, prontamente - Percebi ao ver essa palavra.

Nicholas, Lisa e Johann olharam para a palavra que ele apontava e leram “viini”.

- Vinho? - indagou Johann.

- Sim. Aqui em cima há o nome do restaurante, vejam. Ravintola. - disse o arquiteto.

- E tem algum significado?

- Na verdade, tem sim. Ravintola significa “restaurante” em finlandês.

Lisa zombou:

- Hum, um “restaurante” chamado “Restaurante”? Não é muito original, não é? E essa palavra aqui - disse, apontando para uma palavra no topo da página. - “Rouaclista”...?

- Ruokalista? - riu Edwin. - Nada demais, significa “cardápio”, eu acho.

Do outro lado do restaurante, Anthony, Joanne, Samantha, Susan e os outros estavam reunidos, conversando.

- Será que o Willard sabia da existência desse restaurante? - pensou Anthony em voz alta enquanto se servia da segunda taça de vinho; caso alguém reclamasse da sua obsessão pela bebida, teria prazer em contar a todos que, antes de se tornar gerente de uma empresa de produtos tecnológicos, ele quase havia se tornado degustador, pois entendia do assunto. Todavia, ninguém reclamou.

- Quem? - questionou Joanne.

- Willard.

- Quem é Willard? - replicou a moça.

- Ah, é o homem que conhecia o tal “Kan”. Aquele que morreu logo que chegamos à cidade. - respondeu Anthony, sem deixar de complementar - creio que devo ter esquecido de mencioná-lo, me desculpe; achei a carteira de identidade dele perto de seu corpo.

Alguns pares de olhos se desviaram brevemente para observar Anthony. Nenhum dos outros havia achado uma identificação daquele homem. Contudo, não se preocuparam com isso e continuaram a comer calmamente.

Foi quando Melina falou:

- Ei, desculpem interrompê-los, mas acho que devemos deixar alguma comida reservada para os próximos dias. Afinal, ainda não sabemos por quanto tempo permaneceremos aqui.

Murmúrios de concordância encheram o lugar. Somente um barulho interrompeu o burburinho. A voz de Jacques pareceu ainda mais sinistra, ampliada pela acústica do restaurante, quando ele disse:

- Na verdade eu acho melhor estocarmos a maior quantidade de alimentos possível.

- Mas por que, Jacques? - questionou Samantha.

- Porque nós não vamos sair daqui jamais.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 12 de agosto