Era difícil dizer o que se passou pela cabeça de Nicholas Gilmore quando ele viu sua esposa estirada na calçada em frente ao restaurante, na manhã seguinte. Ela estava pálida, fria, e sua cabeça estava em uma posição que indicava a causa da morte como sendo a quebra do pescoço. Outro detalhe era um cigarro apagado enfiado na boca da mulher.
Nicholas olhou para a cena durante alguns segundos e, então, começou a chorar e a gritar desesperado. Havia dias que estava longe de seus filhos e agora havia perdido sua esposa. Sua família estava se desintegrando como uma escultura rija que vira pó do dia para a noite.
Amparado por Melina, Davis e Samantha, o marido se acalmou aos poucos. No entanto, um terrível sentimento de culpa se abatia incessantemente sobre Nicholas. Perdido em suas reflexões, ele pensava como pôde deixar sua esposa sozinha durante a noite, sabendo que há um assassino a solta na cidade? Não sabia que sua esposa tinha uma grande afeição em olhar para o céu e que ela se esqueceria do tempo e de todos os perigos enquanto estivesse observando a magistratura das estrelas? Claro que sabia! Como fora tão idiota a ponto de priorizar seu sono à vida de sua mulher?
* * *
Enquanto alguns deles se encarregavam de retirar Lisa do local, para poderem enterrá-la na praça, e outros se ocupavam
Esse alguém era Susan. Talvez por ser jornalista, tinha adquirido uma capacidade e vontade de investigação apuradas, o que sempre lhe rendia ou muitos elogios ou críticas em demasia.
Ao chegar no local, foi direto para a estátua no centro. Olhou fixamente para ela, contou quantas peças havia esculpidas no tabuleiro, e sorriu. O que ela supunha desde o início era real.
Antes que pudesse retornar para o restaurante e comunicar a todos sua descoberta, ao se virar Susan deu de cara com um rosto conhecido.
- Anthony?
O homem estava em pé, a alguns metros da estátua, olhando para Susan.
- Susan, o que faz aqui?
- Eu que pergunto. Você me seguiu?
Anthony pareceu um pouco constrangido com a pergunta.
- Sim, de fato a segui. Desculpe-me, mas eu estava preocupado em saber aonde você iria. Além do mais, não é seguro ficar andando sozinha por aí.
Susan concordou.
- É, tem razão. Mas eu estava tão ansiosa para confirmar minha teoria, que não podia esperar!
- Que teoria?
- Sabe a estátua? Adivinhe quantas peças estão sumidas.
- Vinte nove, não eram? - questionou o homem.
- Sim, eram. Só que mais uma peça sumiu!
- Mais uma?!
A moça concordou com a cabeça e complementou:
- Consegue ver a ligação?
- Ligação entre o quê?
- Entre o número de peças que desapareceram e a quantidade de mortos no grupo!
Anthony ficou em silêncio durante um tempo, antes de perguntar:
- O que exatamente você está insinuando, Susan?
- Estou insinuando que a cada morte que ocorre, uma peça some do tabuleiro.
- Mas não faz sentido. Morreram três pessoas, e quatro peças já não estão mais aí.
- Três do nosso grupo, mas são quatro se a gente contar o Willard. Lembra-se dele?
- Ah, é verdade... o cara que morreu com um tiro nas costas!
- Uhum - confirmou a jornalista. - O Willard, o Ian, o bispo e agora a Lisa. Quatro pessoas, quatro peças.
Os dois ficaram conversando durante mais alguns minutos e, quando Anthony propôs que voltassem ao lugar onde estavam os outros, as doze pessoas chegaram à praça para enterrar o corpo de Lisa.
Mais um buraco de terra foi cavado, e nele foi despejado o sentimento de todos, de que fosse o último túmulo que eles fariam. Assim que Lisa foi sepultada, Nicholas tentou dizer algumas palavras, mas não pôde, tamanho a sua lamúria.
Assim que o funeral foi encerrado, Susan aproveitou que estava perto da estátua para deixar todos sabendo de sua hipótese. Assim que ela terminou seu raciocínio, Jacques perguntou:
- Qual a peça foi desapareceu agora?
- Outro peão. - respondeu a jornalista.
- Branco?
- É, creio que sim.
Jacques pensou por um instante, e então falou:
- Susan, eu admiro muito a sua descoberta, mas, apesar de isso parecer somente um jogo, acho que isso significa mais do que nos imaginamos.
- O que você quer dizer, Jacques. - indagou Melina.
- O que eu quero dizer é que há alguém jogando esse jogo de xadrez e as peças dele - ele fez uma pausa de continuar. - somos nós.
As folhas das árvores pareceram se balançar ainda mais quando o vento as golpeava. Os pássaros pareceram se silenciar e o ar aparentava estar cada vez mais carregado.
Seria possível que Jacques estivesse falando a verdade?
Foi Edwin quem rompeu o silêncio.
- Você parece entender muito do assunto, francês.
Ironicamente, ele utilizou-se de praticamente as mesmas palavras usadas contra ele mesmo por Davis, assim que se conheceram há quatro dias.
- Ora, Edwin, se você fizer uma pequena análise, essa dedução parecerá óbvia. - retrucou o físico. - Como a cada peça fora do jogo, uma pessoa morre, fica claro que aí existe uma relação. Agora repare: faltam no tabuleiro três peças brancas e somente uma preta. Quantas pessoas morreram do nosso grupo? Três. Quanto a Willard provavelmente já morava aqui faz tempo, visto que nos alertou sobre um certo Kan. Se essa única peça preta que foi “comida” se referir a ele, pode ser que ele faça parte de um outro grupo que não o nosso, composto por quem chegou aqui há quatro dias.
Todos continuaram em silêncio e Jacques prosseguiu:
- Agora, se vocês observarem bem, notarão que há dezesseis peças brancas no jogo de xadrez. E em quantos nós éramos quando chegamos todos aqui? Dezessete.
Samantha completou o raciocínio:
- Um assassino e dezesseis vítimas?
- Exatamente. O rei preto, a peça que come todas as brancas, é o homicida de Ian, do bispo e de Lisa.
- Mas se nosso grupo tinha dezessete pessoas e somente dezesseis são as vítimas, isso quer dizer...
E, para a surpresa de todos, foi Gary quem completou:
- Quer dizer - disse ele, lugubremente - que um de nós é o assassino.
Próximo capítulo: Domingo, 23 de setembro