domingo, 16 de setembro de 2007

Capítulo 17 – A Verdade Sobre o Jogo

Era difícil dizer o que se passou pela cabeça de Nicholas Gilmore quando ele viu sua esposa estirada na calçada em frente ao restaurante, na manhã seguinte. Ela estava pálida, fria, e sua cabeça estava em uma posição que indicava a causa da morte como sendo a quebra do pescoço. Outro detalhe era um cigarro apagado enfiado na boca da mulher.

Nicholas olhou para a cena durante alguns segundos e, então, começou a chorar e a gritar desesperado. Havia dias que estava longe de seus filhos e agora havia perdido sua esposa. Sua família estava se desintegrando como uma escultura rija que vira pó do dia para a noite.

Amparado por Melina, Davis e Samantha, o marido se acalmou aos poucos. No entanto, um terrível sentimento de culpa se abatia incessantemente sobre Nicholas. Perdido em suas reflexões, ele pensava como pôde deixar sua esposa sozinha durante a noite, sabendo que há um assassino a solta na cidade? Não sabia que sua esposa tinha uma grande afeição em olhar para o céu e que ela se esqueceria do tempo e de todos os perigos enquanto estivesse observando a magistratura das estrelas? Claro que sabia! Como fora tão idiota a ponto de priorizar seu sono à vida de sua mulher?

Mas apesar de tudo, ele fazia esforço para se acalmar. Não podia cometer um ato impensado, seus filhos agora dependiam exclusivamente dele, e ele não podia falhar.

* * *

Quatorze. Esse era o número de sobreviventes restantes das dezessete pessoas que haviam aparecido do nada naquela cidade.

Enquanto alguns deles se encarregavam de retirar Lisa do local, para poderem enterrá-la na praça, e outros se ocupavam em consolar Nicholas, um do grupo fez algo bastante inusitado: correu para a praça sem avisar a ninguém para onde ia.

Esse alguém era Susan. Talvez por ser jornalista, tinha adquirido uma capacidade e vontade de investigação apuradas, o que sempre lhe rendia ou muitos elogios ou críticas em demasia.

Ao chegar no local, foi direto para a estátua no centro. Olhou fixamente para ela, contou quantas peças havia esculpidas no tabuleiro, e sorriu. O que ela supunha desde o início era real.

Antes que pudesse retornar para o restaurante e comunicar a todos sua descoberta, ao se virar Susan deu de cara com um rosto conhecido.

- Anthony?

O homem estava em pé, a alguns metros da estátua, olhando para Susan.

- Susan, o que faz aqui?

- Eu que pergunto. Você me seguiu?

Anthony pareceu um pouco constrangido com a pergunta.

- Sim, de fato a segui. Desculpe-me, mas eu estava preocupado em saber aonde você iria. Além do mais, não é seguro ficar andando sozinha por aí.

Susan concordou.

- É, tem razão. Mas eu estava tão ansiosa para confirmar minha teoria, que não podia esperar!

- Que teoria?

- Sabe a estátua? Adivinhe quantas peças estão sumidas.

- Vinte nove, não eram? - questionou o homem.

- Sim, eram. Só que mais uma peça sumiu!

- Mais uma?!

A moça concordou com a cabeça e complementou:

- Consegue ver a ligação?

- Ligação entre o quê?

- Entre o número de peças que desapareceram e a quantidade de mortos no grupo!

Anthony ficou em silêncio durante um tempo, antes de perguntar:

- O que exatamente você está insinuando, Susan?

- Estou insinuando que a cada morte que ocorre, uma peça some do tabuleiro.

- Mas não faz sentido. Morreram três pessoas, e quatro peças já não estão mais aí.

- Três do nosso grupo, mas são quatro se a gente contar o Willard. Lembra-se dele?

- Ah, é verdade... o cara que morreu com um tiro nas costas!

- Uhum - confirmou a jornalista. - O Willard, o Ian, o bispo e agora a Lisa. Quatro pessoas, quatro peças.

Os dois ficaram conversando durante mais alguns minutos e, quando Anthony propôs que voltassem ao lugar onde estavam os outros, as doze pessoas chegaram à praça para enterrar o corpo de Lisa.

Mais um buraco de terra foi cavado, e nele foi despejado o sentimento de todos, de que fosse o último túmulo que eles fariam. Assim que Lisa foi sepultada, Nicholas tentou dizer algumas palavras, mas não pôde, tamanho a sua lamúria.

Assim que o funeral foi encerrado, Susan aproveitou que estava perto da estátua para deixar todos sabendo de sua hipótese. Assim que ela terminou seu raciocínio, Jacques perguntou:

- Qual a peça foi desapareceu agora?

- Outro peão. - respondeu a jornalista.

- Branco?

- É, creio que sim.

Jacques pensou por um instante, e então falou:

- Susan, eu admiro muito a sua descoberta, mas, apesar de isso parecer somente um jogo, acho que isso significa mais do que nos imaginamos.

- O que você quer dizer, Jacques. - indagou Melina.

- O que eu quero dizer é que há alguém jogando esse jogo de xadrez e as peças dele - ele fez uma pausa de continuar. - somos nós.

As folhas das árvores pareceram se balançar ainda mais quando o vento as golpeava. Os pássaros pareceram se silenciar e o ar aparentava estar cada vez mais carregado.

Seria possível que Jacques estivesse falando a verdade?

Foi Edwin quem rompeu o silêncio.

- Você parece entender muito do assunto, francês.

Ironicamente, ele utilizou-se de praticamente as mesmas palavras usadas contra ele mesmo por Davis, assim que se conheceram há quatro dias.

- Ora, Edwin, se você fizer uma pequena análise, essa dedução parecerá óbvia. - retrucou o físico. - Como a cada peça fora do jogo, uma pessoa morre, fica claro que aí existe uma relação. Agora repare: faltam no tabuleiro três peças brancas e somente uma preta. Quantas pessoas morreram do nosso grupo? Três. Quanto a Willard provavelmente já morava aqui faz tempo, visto que nos alertou sobre um certo Kan. Se essa única peça preta que foi “comida” se referir a ele, pode ser que ele faça parte de um outro grupo que não o nosso, composto por quem chegou aqui há quatro dias.

Todos continuaram em silêncio e Jacques prosseguiu:

- Agora, se vocês observarem bem, notarão que há dezesseis peças brancas no jogo de xadrez. E em quantos nós éramos quando chegamos todos aqui? Dezessete.

Samantha completou o raciocínio:

- Um assassino e dezesseis vítimas?

- Exatamente. O rei preto, a peça que come todas as brancas, é o homicida de Ian, do bispo e de Lisa.

- Mas se nosso grupo tinha dezessete pessoas e somente dezesseis são as vítimas, isso quer dizer...

E, para a surpresa de todos, foi Gary quem completou:

- Quer dizer - disse ele, lugubremente - que um de nós é o assassino.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 23 de setembro