segunda-feira, 23 de abril de 2007

Prólogo

Davis abriu os olhos e, ainda cansado, tateou o interruptor para acender a fraca luz do abajur. Olhou para seu despertador que também ficava sobre o criado-mudo e se assustou ao ver que ainda eram três horas da manhã.

Tinha acordado tão fora de hora porque acabara de ter um pesadelo, o mesmo que havia tendo com tanta freqüência desde que Mellanie havia falecido. Temendo demorar pegar no sono novamente, ele se levantou e foi até a geladeira tomar um copo de água. Já voltando da cozinha, algo na rua lhe chamou a atenção e o fez olhar pela única janela que não tinha cortinas, e que, por isso, permitia uma ótima visão da vizinhança. Percebeu, então, que a casa dos Archer, em frente à sua, estava diferente, havia alguma coisa incomum nela.

Totalmente sem sono agora, Davis chegou mais perto da janela para tentar descobrir o que estava acontecendo de estranho naquela casa azul, com um lindo jardim bem cuidado e uma placa de boas-vindas dependurada na porta. Apesar de ser meio distraído às vezes, Davis notou que a enorme amoreira que florescia no jardim parecia um pouco contorcida, rígida e seca, como se estivesse sendo afetada pelo rigoroso frio do inverno. Mas como isso seria possível se eles estavam no verão?

Voltou a observar a casa. Não era imaginação sua, a construção que abrigava a família Archer não era mais a mesma que ele tinha visto há algumas horas, pouco antes de ir dormir, e essa certeza fez Davis subir as escadas para vestir o seu roupão e examinar mais de perto a casa azul.

Desde pequeno, Davis Blame sempre gostou de acontecimentos que desafiassem o seu raciocínio lógico, porém, mais do que isso, uma mudança real quase imperceptível em uma casa, em somente algumas horas, estimulava totalmente a sua vontade de conhecer detalhes do acontecido.

Cinco minutos depois, Davis estava descendo as escadas em direção à porta, quando o telefone tocou. Uma breve olhada no relógio de parede o certificou de que ainda não eram mais que três e dez da manhã. Preocupado, subiu correndo as escadas de volta, mas quando entrou no quarto o telefone havia parado de tocar. Droga, pensou, enquanto aguardava para ver se a pessoa ligava de novo. Não ligou, pelo menos não nos dez minutos seguintes e por isso Davis achou desnecessário ficar esperando por mais tempo e saiu de casa, para verificar a casa em frente.

O silêncio da madrugada na rua onde o rapaz morava se fazia perceber naquele momento quando não havia sequer um automóvel passando. Davis estava acabando de atravessar a rua, quando uma luz que se acendeu subitamente na casa dos Archer o deteve. Era a luz da sala de estar. Se tivesse parado um instante para refletir, Davis iria pensar que estava ficando paranóico, saindo de casa de madrugada para procurar algo de estranho em uma casa aparentemente normal. No entanto, não parou. Muito pelo contrário, ele lentamente prosseguiu cada vez mais em direção à janela onde a luz acesa era visível. Ao chegar lá espiou através do vidro; não havia ninguém. Estava tudo quieto e silencioso. Muito silencioso.

Ele ficou durante alguns minutos esperando algum movimento, mas tudo na sala estava imóvel à luz do delicado lustre dependurado no teto. Exausto, o rapaz começou a considerar tudo aquilo uma perda de tempo e decidiu retornar à sua casa.

De repente, um bip começou a soar ao longe. Bip... bip... bip...

Davis forçou os olhos para enxergar melhor através da escuridão da rua e tentar descobrir a origem do apito, mas não havia nada aparente que parecesse emitir o barulho. Ao dar uma última olhada pela janela da casa azul, se deparou com a filha mais nova dos Archer, Isabelle, de 17 anos, encarando-o através do vidro com uma expressão fantasmagórica e um dedo pálido apontando para frente, na direção da casa de Davis.

Ele, assustado, olhou para sua própria casa, somente a tempo de vê-la explodir e fazer tudo o que estava por perto voar pelos ares após o bip dar seu décimo e último suspiro.