segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Bem-vindo!

Esse blog é dedicado ao livro Xeques-Mate, escrito por Adônis.
Durante nove meses, capítulo por capítulo foi postado aqui com intervalos regulares. Agora, o livro já está terminado e você pode conferir cada um dos capítulos clicando sobre a data de postagem do mesmo na seçâo 'Arquivo do Blog' à direita.
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Para começar a ler a história, clique aqui e você será redirecionado para o Prólogo.

Um agradecimento especial à todos que acompanharam a história até o fim.

Em caso de dúvidas ou se quiser entrar em contato, deixe seu comentário ou envie um e-mail para neoadt@hotmail.com

Boa leitura!

domingo, 20 de janeiro de 2008

Epílogo

Davis abriu os olhos e, ainda cansado, tateou o interruptor para acender a fraca luz do abajur. Olhou para seu despertador que também ficava sobre o criado-mudo e se assustou ao ver que ainda eram três horas da manhã.
Tinha acordado tão fora de hora porque acabara de ter um pesadelo, o mesmo que havia tendo com tanta freqüência desde que Mellanie havia falecido. Temendo demorar pegar no sono novamente, ele se levantou e foi até a geladeira tomar um copo de água. Já voltando da cozinha, algo na rua lhe chamou a atenção e o fez olhar pela única janela que não tinha cortinas, e que, por isso, permitia uma ótima visão da vizinhança. Percebeu, então, que a casa dos Archer, em frente à sua, estava diferente, havia alguma coisa incomum nela.
Totalmente sem sono agora, Davis chegou mais perto da janela para tentar descobrir o que estava acontecendo de estranho naquela casa azul, com um lindo jardim bem cuidado e uma placa de boas-vindas dependurada na porta. Apesar de ser meio distraído às vezes, Davis notou que a enorme amoreira que florescia no jardim parecia um pouco contorcida, rígida e seca, como se estivesse sendo afetada pelo rigoroso frio do inverno. Mas como isso seria possível se eles estavam no verão?
Voltou a observar a casa. Não era imaginação sua, a construção que abrigava a família Archer não era mais a mesma que ele tinha visto há algumas horas, pouco antes de ir dormir, e essa certeza fez Davis subir as escadas para vestir o seu roupão e examinar mais de perto a casa azul.
Desde pequeno, Davis Blame sempre gostou de acontecimentos que desafiassem o seu raciocínio lógico, porém, mais do que isso, uma mudança real quase imperceptível em uma casa, em somente algumas horas, estimulava totalmente a sua vontade de conhecer detalhes do acontecido.
Cinco minutos depois, Davis estava descendo as escadas em direção à porta, quando o telefone tocou. Uma breve olhada no relógio de parede o certificou de que ainda não eram mais que três e dez da manhã. Preocupado, subiu correndo as escadas de volta, mas quando entrou no quarto o telefone havia parado de tocar. Droga, pensou, enquanto aguardava para ver se a pessoa ligava de novo. Não ligou, pelo menos não nos dez minutos seguintes e por isso Davis achou desnecessário ficar esperando por mais tempo e saiu de casa, para verificar a casa em frente.
O silêncio da madrugada na rua onde o rapaz morava se fazia perceber naquele momento quando não havia sequer um automóvel passando. Davis estava acabando de atravessar a rua, quando uma luz que se acendeu subitamente na casa dos Archer o deteve. Era a luz da sala de estar. Se tivesse parado um instante para refletir, Davis iria pensar que estava ficando paranóico, saindo de casa de madrugada para procurar algo de estranho em uma casa aparentemente normal. No entanto, não parou. Muito pelo contrário, ele lentamente prosseguiu cada vez mais em direção à janela onde a luz acesa era visível. Ao chegar lá espiou através do vidro; não havia ninguém. Estava tudo quieto e silencioso. Muito silencioso.
Ele ficou durante alguns minutos esperando algum movimento, mas tudo na sala estava imóvel à luz do delicado lustre dependurado no teto. Exausto, o rapaz começou a considerar tudo aquilo uma perda de tempo e decidiu retornar à sua casa.
De repente, um bip começou a soar ao longe. Bip... bip... bip...
Davis forçou os olhos para enxergar melhor através da escuridão da rua e tentar descobrir a origem do apito, mas não havia nada aparente que parecesse emitir o barulho. Ao dar uma última olhada pela janela da casa azul, se deparou com a filha mais nova dos Archer, Isabelle, de 17 anos, encarando-o através do vidro com uma expressão fantasmagórica e um dedo pálido apontando para frente, na direção da casa de Davis.
Ele, assustado, olhou para sua própria casa, somente a tempo de vê-la explodir e fazer tudo o que estava por perto voar pelos ares após o bip dar seu décimo e último suspiro.
E antes que ele pudesse reagir ou gritar o nome de sua filha, veio a compreensão. Nada daquilo era real. Yasmin estava a salvo dentro de uma casa que, na realidade, estava intacta.
Era tudo ilusão.
De repente, tudo ficou branco.
Algum tempo depois, Davis acordou.
Não sabia se sentia desespero, medo ou aflição. Somente continuou deitado onde estava, sem se mover. O único barulho que escutava era o mesmo que ouvira anos atrás, da última vez que estivera naquele lugar.
E ele não precisou abrir os olhos para entender.
O jogo havia começado novamente.

FIM

Capítulo 43 – Xeque-Mate, parte II

- O que pensa que esta fazendo, Davis? – perguntou Mellanie, se levantando de um salto.
- A recompensa. Prometeu-me algo e eu a quero agora.
- Ora, você está vivo! Há recompensa maior do que essa?
- Será mesmo que estou? – ele indagou. - Será que vale a pena viver com a culpa de ter arruinado dezenas de vidas?
Mellanie deu uma risada desdenhosa.
- Ah, você não se importa realmente com isso, importa?
- Me importo com a minha recompensa. Onde está?
- Eu tenho um pouco de ouro em…
- NÃO QUERO A PORCARIA DO SEU DINHEIRO! Disse que era algo melhor e eu o quero! Ou senão meto uma bala no meio da sua cabeça!
Ela recuou, apoiou-se na cadeira. Parecia assustada. O riso zombeteiro havia desaparecido de seu rosto para dar lugar a uma expressão de choque e quase medo. No entanto, continuou em pé, encarando-o.
- Você não seria capaz de atirar em mim, Davis.
- Duvida?
E antes mesmo que ela pudesse responder, Davis apertou o gatilho e uma bala foi disparada direto contra a perna direita dela. Do orificio acima do joelho começou a escorrer sangue e Mellanie gritava enquanto caia no chão.
- Agora cale a boca! Em um minuto meu revólver vai disparar novamente e, dessa vez, estará apontado para o seu coração podre. Só há um jeito de evitar isso, e é me dizendo onde está a minha recompensa.
A mulher de cabelos negros, com alguns fios grisalhos, estava sentada no chão frio, gemendo, com as pernas estiradas. Resolveu dizer, por fim:
- Davis… lembra-se de quando nos separamos? Há anos atrás?
Ele assentiu com a cabeça.
- Bem, eu estava…. estava… g-grávida!
E, pela primeira vez, ele viu Mellanie chorar.
Supôs que talvez não fosse por ressentimento, mas de revolta por estar sendo obrigada a revelar tudo.
E ele não sabia o que dizer.
- Você abortou?
Questionou com esforço.
- N-Não.
- Não?! – ele repetiu, pasmo.
Ela sacudiu freneticamente a cabeça para os lados.
- Assim que ela nasceu...
- Ela?
- Sim, é uma menina. Assim que ela nasceu, a doei para um orfanato. Até hoje não sei porque sofri nove meses por aquilo.
Sem conseguir se conter, ele bateu com o revólver no rosto de Mellanie, que também começou a sangrar.
-AQUILO? NÃO FALE ASSIM DA MINHA FILHA! ELA É QUEM FOI MUITO INFELIZ DE TER NASCIDO DE ALGUÉM COMO VOCÊ!
- E como você! – retrucou. - Esqueceu que é tão assassino quanto eu?
- Pode ser, mas eu não sou um psicopata. Duvido que tenha olhado na cara dela por mais de um minuto.
Mellanie abaixou a cabeça, fingindo ressentimento.
- Na verdade, só a vi de relance.
O homem sentiu um calor se apoderar de seu corpo e teve vontade de lhe bater novamente, mas se conteve.
- Onde é a deixou?
- Em Paris. Fui para lá quando me deixou. Assim que soube que estava grávida, pensei em te procurar, mas não tinha mais dinheiro para voltar a Scacci e, muito menos, para cuidar de um bebê.
Ele não demonstrou piedade. Não lhe importava agora o passado, queria saber mais sobre a filha que era sua também.
- Como se chama o orfanato?
- Dá-me um papel que te anoto o nome e endereço do lugar. Pode pegar sua maldita filha e faça o que quiser com ela.
Mais uma vez, Davis tentou dominar seus sentimentos, pegou um pedaço de papel e uma caneta na gaveta da velha escrivaninha.
Enquanto Mellanie rabiscava algo em francês, Davis perguntou:
- Como ela se chama?
- Yasmin, acho. Foi uma das enfermeiras que lhe deu esse nome.
- E quantos anos tem?
- Dois.
- Pretendia me contar isso tudo algum dia, infeliz?
- Talvez. Não faz muita diferença, não é? – ela disse. - Não estava feliz mesmo sem saber que tinha uma filha?
- Cale a boca.
Davis pegou o papel e o colocou no bolso. Depois, fitou os olhos quase sem vida da mulher a sua frente.
- Por que eu? Por que você tinha que escolher justo a mim e estragar a minha vida?
- Por que eu te amo!
Davis riu. Uma risada audível e cínica.
- Como você pode ser tão falsa? Como consegue conviver com isso, dormir a noite sabendo que todo dia coloca uma máscara e encena uma peça de fingimento e crueldades para quem quiser ver? Você nunca amou ninguém, Mellanie. Não sabe o que é o amor e nunca saberá.
Davis mantinha a arma segura em suas mãos, que começavam a suar.
- Por favor, não me mate, Davis! – ela implorou em tom desesperado. – Por favor!
- Sabe, Mellanie, eu cometi muitos erros em minha vida, mas o pior deles, o pior, foi ter sido tão cego a ponto de me relacionar com uma pessoa imunda como você.
“Espero que a nossa filha nunca se torne metade do que a mãe é.”
Ela lacrimejou. Gemia e soluçava, tentando inutilmente amenizar a dor de suas feridas tampando-as com as mãos.
“Agora pare de choramingar. Até mataria a mulher que me envolveu em tudo isso, mas jamais tiraria a vida da mãe de minha filha. Antes que eu me vá, preciso saber uma coisa: por que, afinal, me deste o codinome de ‘coelho’?”
Os dois se olharam. Parecia ser uma pergunta irrelevante naquele momento, porém ele tinha curiosidade e não pretendia ver Mellanie nunca mais.
Ela inspirou o pesado ar da sala escura algumas vezes antes de responder:
- A todos intrigam essa questão, não é? Bom, há vários motivos elementares. O coelho é um animal bastante curioso. É esperto, ágil e é capaz de ver atrás de si sem mover o pescoço. No entanto, há um motivo pessoal pelo qual escolhi seu codinome como sendo Kaninchen.
“Há pouco mais de dois anos, entramos em uma horrível tenda azul.”

* * *

Davis e Mellanie estavam sentados um ao lado do outro em desconfortáveis banquinhos.
- Qual suas datas de nascimento – o velho perguntou.
Os dois falaram. Ele assentiu e passou a consultar uma grande tabela que mantinha ao seu lado repetidamente.
- Bem – pigarreou, e olhou para Mellanie – Seu signo é Peixes, e, no zodíaco chinês, é um imponente Dragão.
Atualmente tem tido muita sorte no amor e também financeiramente. No entanto, em breve, uma desgraça se abaterá sobre ti.
Ela pareceu assustada, mas Davis não reagiu.
- Você, meu caro, é do signo de Leão. No zodíaco chinês, seu animal é um Coelho. Também tem sido afortunado nos relacionamentos amorosos e tem um futuro brilhante. Infelizmente, temo que não viva até os cem anos.
Davis fez uma falsa cara de lamúria e agradecimento por tudo que lhe dissera.
Quando eles permaneceram ali, sentados, esperando que o homem lhes dissesse mais alguma coisa, ouviram:
- Vão com Deus, mas vão logo que tenho outros clientes esperando. Bem, a não ser que queiram seu signo gravado em um pequeno grão de arroz...
Antes que o velho continuasse, Davis se levantou rapidamente e puxou Mellanie pelo braço.
Quando já estavam fora da tenda abafada, ele suspirou:
- Não acredito que me fez gastar dinheiro para ouvir isso.
- Ora, Davis, são só 50 centavos!
- Cinqüenta centavos por algo que eu vejo de graça em uma biblioteca.
- Bom, mas os livros não te dizem sem futuro, não é?
- Ah, é verdade – respondeu, em tom zombeteiro. – Finalmente fiquei sabendo que vou morrer um dia. Que estraga prazeres....
Mellanie riu. Não era uma risada maléfica. Davis suspirou.
- E ainda por cima sou do signo de Coelho. Entre tantos outros bichos mais imponentes, tinha que ser justo um bichinho como o coelho?

* * *

Conforme se recordava da cena, Davis se lembrava de como Mellanie não parecia tão maníaca e obsessiva naquela época, há alguns anos.
- Lembra-se?
Davis não precisou responder. Pelo seu olhar distante, a mulher sabia que ele se lembrava.
- Foi principalmente por isso que lhe dei esse codinome.
Calaram-se. Ele perguntou sem muito interesse:
- Por que em alemão?
- Um amigo de meu pai vinha da Alemanha. Ensinou-me algumas palavras, principalmente nomes de animais.
Novamente, ficaram em silêncio.
Relembrar aquele passado, aquela época em que compartilhava sua vida com a mulher agora caída a sua frente, lhe dava nostalgia. Ele segurou a cabeça com as mãos, sem soltar a arma.
Algumas memórias correram em sua mente mais uma vez. Desde a época que namoravam até os assassinatos que provocara dias atrás. Mellanie continuava ali, parada, encarando-o com um olhar frio.
- Já basta, nunca mais quero voltar a vê-la!
Quando ele se virou, preparando-se para sair, viu, com o canto dos olhos ela se esticar para agarrar alguma coisa escondida pelas sombras do aposento.
Virou-se de imediato e encontrou o cano de um revólver apontado para seu peito.
- Não é fácil assim, Davis. Nunca atiram na minha perna ou me batem e depois vão embora.
- Você não seria capaz...
Ela puxou o gatilho. Silêncio. O barulho seguinte não foi o disparo de uma bala, mas a risada de Davis.
- Tola, não está carregado!
E ele apontou novamente seu revólver para o peito dela. Um súbito acesso de compreensão invadiu o corpo de Mellanie e suas pupilas se contraíram.
- Agora você foi longe demais. – disse ele. - Você é a própria culpada por me fazer mudar de idéia. Não é verdadeiramente a mãe de minha filha. Não passa de um verme repugnante e covarde esparramado no chão. Isso será melhor tanto para você quanto para mim
- Não, Davis. Nã...
A última letra foi engolfada pelo som de três disparos. O homem mantinha sua arma em punhos, prestes a atirar de novo se fosse preciso.
Contudo, era desnecessário.
Aquela mulher cujo corpo estava banhando com seu próprio sangue nunca mais se moveu.

* * *

Meia hora depois, Davis estava só naquela cidade. Somente um sobrevivente. No entanto, sobre o tabuleiro ainda havia duas peças e isso o intrigava.
Mais do que isso, o enlouquecia.
Em um acesso de fúria, tentou, em vão, arrancar um dos reis da estátua.
Com uma pedra, tentou quebrar o tabuleiro ao meio, mas também foi inútil.
Então, do nada, uma idéia lhe ocorreu.
Como já havia feito várias vezes naquele dia, ele sorriu.
Achava que alguém estava sendo generoso com ele, indicando-lhe o caminho.
Talvez, pensou, o Deus nórdico que controla o tabuleiro resolveu me ajudar.
Com uma pequena pedra com pontiaguda, ele fez um corte em seu braço direito. Deixou que um pouco de sangue escorresse e pingasse sobre o tabuleiro, manchando o centro de um vermelho escuro. Nada aconteceu.
Enfurecido e frustrado, ele se sentou no nódulo da raiz de uma grande árvore e fechou os olhos. Só os abriu segundos depois e aí, então, teve uma surpresa: havia somente um rei no tabuleiro. O rei negro. E ele estava em sua devida posição inicial.
Algo se iluminou no interior de Davis.
Todas as dezesseis pessoas que chegaram à cidade há mais de três semanas haviam morrido. Todas.
O que restara de Davis era o que o iria comandar daí por diante.
E ele concluiu que aquele jogo de xadrez havia, realmente, mudado sua vida para sempre.