domingo, 9 de setembro de 2007

Capítulo 16 - Proibido Fumar

Depois de beberem a maior quantidade de água que conseguiam, aquelas quinze pessoas voltaram ao restaurante, pegaram alguns baldes e as garrafas de vinho vazias para os encherem com o líquido. Finalmente o dilema da água seria sanado.

O problema do banho foi mais complicado de resolver, mas decidiu-se que todas as mulheres se lavariam juntas, assim como todos os homens. Baldes e mais baldes eram enchidos para esse fim, e, por isso, eles ficaram receosos pelo fato de a água poder acabar. Porém, ela não acabou, continuou jorrando incessantemente.

Até que anoiteceu...

Todos já haviam tomado seu banho e, apesar de terem colocado a mesma roupa, estavam apreciando mais o lugar do que quando chegaram. Mais uma vez os homens arrumavam as cadeiras e as mesas para todos dormirem.

Ficou combinado que ninguém sairia do restaurante naquela noite, todavia ainda era cedo e o ar da noite era deliciosamente refrescante.

Para quê ficariam sob a luz de uma lâmpada se poderiam ser iluminados por um belo luar? A água que eles haviam tomado mais cedo pareceu purificar seus corpos e fazê-los esquecer de todos os problemas: esquecer que havia um assassino à solta, que dois do grupo estavam mortos e que estavam em uma cidade sem saída, talvez muito mais estranha do que eles imaginavam.

Mas nada disso importava agora. Um desejo reprimido estava-lhes à flor da pele, pois eles tinham vontade de sair pela porta do Ravintola e desafiar o perigo.

E foi o que fizeram.

Todos, exceto Gary e Jaqueline - que preferiram dormir -, saíram para fora e se sentaram na calçada. Alguns até se deitaram para ficar olhando para o céu. Treze pessoas, todos completamente desconhecidos, agora escreviam sua história juntos.

- Você é arqueóloga há quanto tempo, Samantha? - perguntou Davis.

- Quatro anos, desde que me formei. É fascinante, sabe... Eu sempre me interessei por estudar as civilizações antigas! Somente estudando o passado...

- É que você pode prever o futuro. - completou Anthony.

- Isso. - consentiu a moça, sorrindo.

- Mas você não fica frustrada por passar anos desvendando os mistérios de uma parte tão pequena da história? Quero dizer, cada nova descoberta é somente o pedaço de uma peça em um gigantesco quebra-cabeça que é o passado! - falou Davis, pensativo.

- Se todos pensassem assim, - respondeu a moça. - nenhuma descoberta seria feita, Davis. Fico feliz em saber que contribuí pelo menos um pouco para desvendar o passado...

- O passado - começou Jacques, sentando-se perto deles - é relativo, minha querida. A pergunta que Davis fez segundos atrás e mesmo sua fala, faz parte do passado tanto quanto o surgimento do planeta Terra.

- Acho muito forçada essa comparação, senhor Chevalier. - disse Anthony - são períodos de tempo muito diferentes!

- Diferente é o modo como vemos cada parte do tempo - respondeu o físico - se eu considerar um minuto como sendo pouco tempo e bilhões de anos como um enorme período, pode ser que a comparação não dê certo. No entanto, isso não é uma convenção! Einstein já dizia: o tempo é relativo!

- Tal qual essa afirmação. - retrucou Anthony.

Davis, antes que Jacques continuasse a falar, deu seu parecer.

- Em minha opinião, o tempo é uma coisa só, como um ciclo. Apesar do ser humano sempre tentar entender cada segundo como um ponto nesse círculo, enquanto ele tenta definir uma posição para uma determinada hora, quando ele conseguir já será em vão, pois vários milésimos de segundo já terão se passado e o ponto se deslocado.

- Exatamente! - concordou Jacques. - O tempo é como o elétron. Se você tentar definir sua posição, não conseguirá medir sua velocidade, mas se for capaz de definir uma velocidade será impossível saber em que posição ele está!

Enquanto Davis, Jacques, Anthony e Samantha continuavam discutindo a respeito dessa grande incógnita que é o tempo, este passava tranquilamente rodando o ponteiro dos relógios e fazendo a noite cair cada vez mais.

À medida que escurecia, as pessoas, pouco a pouco, iam entrando no restaurante. Primeiro foi Joanne, juntamente com Susan e Lin; depois Jacques e Samantha, seguidos de Davis logo depois. Até que as únicas pessoas que ficaram de fora foram Edwin, Nicholas e Lisa, sua esposa.

Nicholas, talvez por ter sido policial, desconfiava muito do caráter de Edwin e, por esse motivo, não queria deixar sua mulher sozinha com ele. No entanto, Lisa Gilmore adorava olhar para cima durante horas a fio; e naquela noite, em um lugar onde o céu parecia espetacularmente límpido, as pequenas estrelas que pontilhavam aquele plano azul-escuro chamavam ainda mais atenção da mulher.

Pouco depois, no entanto, Edwin se despediu dos dois e foi para dentro.

Sonolento e sob a garantia da mulher de que entraria logo no restaurante, Nicholas também entrou no restaurante e foi dormir. Lisa agora estava sozinha do lado de fora e, de tão distraída que estava, esqueceu-se do tempo.

Passou-se uma meia hora e a porta do restaurante se abriu. Lisa olhou para saber quem havia saído do Ravintola, mas devido à escuridão, não conseguiu distinguir o vulto. No entanto, naquele momento seu pensamento estava voltado para os seus filhos e, por isso, nem se deu ao trabalho de perguntar quem era. A pessoa sentou-se ao lado da mulher e começou a olhar para o céu também.

- Bonito, não? - perguntou Lisa apontando para o céu, mas ainda pensativa.

- Sim, muito.

A pessoa então pegou um isqueiro e uma caixa de cigarros do bolso. Quando um cigarro foi aceso, Lisa ouviu o barulho do isqueiro e olhou para o vulto novamente. Graças à iluminação que a faísca que o acendedor causou, Lisa pode ver quem era. Sua primeira reação, entretanto, foi comentar sobre o fumo.

- Não sabia que você fumava.

- Pois é, há muitas coisas sobre mim que você ainda não sabe. - foi a resposta.

- Diga-me, o que faz aqui fora? Esperou todos dormirem para poder vir fumar?

A pessoa assentiu com a cabeça. Lisa estava começando a ficar assustada com as atitudes daquela pessoa, mas mesmo assim continuou lá fora, à mercê das brisas noturnas.

- E onde arranjou cigarros e um isqueiro? - Lisa perguntou.

A réplica não veio imediatamente. O vulto ainda fumou por alguns instantes antes de dizer:

- Há muitas coisas que você nem imagina existirem aqui.

- Como o que, por exemplo?

A resposta fez Lisa arregalar os olhos.

- Mas... como pode haver isso aqui?! - ela perguntou confusa.

- Você não sabe nada sobre essa cidade.

- E você sabe?

- Mais do que você imagina. Posso até prever o futuro.

- Ah, é mesmo? - disse Lisa com desdém, agora sentada e olhando para a pessoa que fumava ao seu lado. - Me diga algo que vai acontecer amanhã, então.

- Amanhã. - disse, e continuou após mais uma tragada - em frente ao restaurante, haverá uma mulher morta justamente no lugar em que você está sentada.

E estas foram as últimas palavras que Lisa Gilmore ouviu.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 16 de setembro

Crédito da ilustração: O autor