quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Capítulo 36 - Preto e Branco

Madrugada. A batida na porta do banheiro não foi ouvida por ninguém que estivesse dormindo.

Edwin estranhou, mas simplesmente abriu a porta. Kaninchen estava do lado de fora.

- Quer usar? - perguntou o primeiro.

- Não. Só quero conversar com você. Aí dentro - disse, indicando o interior do banheiro com a cabeça.

O arquiteto - talvez mais confiante do que deveria, ou, talvez, sentindo os efeitos da sonolência - deixou Kaninchen entrar.

- Estava acordado? - questionou Edwin.

Kaninchen balançou a cabeça afirmativamente.

- Esperando eu levantar para poder falar comigo?

Novamente, Kaninchen assentiu e disse:

- Você é muito esperto.

- Obrigado.

- E eu não gosto de gente assim.

Edwin não retrucou imediatamente.

- Nem eu. Por isso eu não tenho nada contra você.

Cada um podia ouvir o outro respirar. Estavam muito próximos, espremidos naquele pequeno banheiro.

- Por que você mata as pessoas? – indagou Edwin – É Kaninchen, certo?

- Certo. E eu mato por que isso me dá prazer!

- Mentira. Você é uma pessoa fria, que não se importa em sacrificar a vida de alguns com quem não tenha uma forte relação, só que você não gosta de matar. Você mata por alguma recompensa, somente se for mesmo necessário para você suprir seus desejos.

Kaninchen ficou pensando um tempo.

- De arquiteto, virou psiquiatra, é? Que pena: odeio psiquiatras.

E com um ágil golpe, Kaninchen tentou derrubar Edwin no chão com a perna, sem sucesso. O arquiteto foi mais rápido e se defendeu.

Ter servido o exército por seis anos garantiu a ele alguns minutos a mais de vida, mas o final para Edwin não tardou a chegar.

* * *

- Ed? Ed?

- O que aconteceu, Samantha? - perguntou Jacques, ainda sentado no mesmo local em que dormira. Fazia alguns minutos que havia se levantado e há pouco ouvia Samantha gritar incessantemente.

- É o Edwin - ela respondeu - Ele sumiu... desde que eu acordei eu não consigo encontrá-lo!

- Ei, acalme-se - sugeriu o físico. - Eu tenho certeza que ele está bem. Só deve ter ido dar uma volta. Alguma idéia de onde ele esteja?

- Bom... eu ainda não procurei no banheiro, mas acho que se ele estivesse lá teria respondido.

- Experimente bater à porta.

Samantha se dirigiu, então, ao banheiro e socou a porta, com uma agressividade que Jacques considerou desnecessária.

- ED?

Nenhum barulho veio em resposta. Davis também havia acordado e observava a moça ponderar sobre abrir ou não a porta.

- Abra - incentivou Jacques. - Se ele estivesse lá dentro, teria respondido.

A não ser que esteja morto, completou, com tristeza, somente em seus pensamentos.

A arqueóloga segurou o trinco e girou-o. A maçaneta acompanhou a mão de Samantha e girou junto. Um pequeno movimento da porta indicou que ela estava destrancada.

Samantha empurrou-a e olhou para dentro. A cena, parecendo ter saída de um filme de suspense, fez o coração de todos bater ainda mais depressa quando a moça deu um grito.

Tampando a boca com as mãos, ela se afastou enquanto Davis, Jacques e até mesmo Gary vieram ver o que espantara Samantha.

Era Edwin. O arquiteto estava ajoelhado e sua cabeça estava molhada, enfiada dentro do vaso sanitário. Em suas costas eram visíveis seis indícios de facadas e um punhal ainda jazia enfiado no sétimo buraco.

Se ele não houvesse morrido pelas facadas, certamente não teria suportado perder tanto sangue, que agora pintava a maior parte do piso de vermelho.

A moça não conseguia se conter. Gemia e gritava entre seus vários soluços, lutando contra os esforços de Davis para acalmá-la.

A reação de Jacques foi visivelmente mais contida: o francês tirou os seus óculos e algumas poucas lágrimas escorreram pela sua face. Via Edwin como um grande amigo e, de todos, era no qual mais depositava confiança.

Embora na primeira vez em que o grupo o ouviu dizer algo ele tenha voltado algumas suspeitas contra si por ter conhecimento de armas, o arquiteto logo ganhou a amizade da maioria. Entendedor do jogo de xadrez e com aparente capacidade para protegê-los, poucos chegaram a suspeitar de Edwin depois de conviver algum tempo com ele.

Ninguém sabia, mas o arquiteto sentiu que em suas últimas duas semanas aprendeu muito mais sobre a vida do que os outros. Ter algum homicida o perseguindo e morar com a pessoa assassina em questão o lembrava dos tempos de guerra e o fazia jovem novamente.

Para sua infelicidade, porém, toda essa jovialidade havia se perdido junto com o sangue que manchava suas costas.

- Ele foi um grande homem - Jacques murmurou.

O corpo de Edwin ainda permanecia na mesma posição. Nenhum deles ousara tocar no arquiteto. Talvez sentir a frieza de sua pele os faria sofrer ainda mais.

- Há... há... impressões digitais na faca, não há? - perguntou Samantha em um surto - Nós poderíamos identificar o... o... assassino...

- Ah, claro! - desdenhou Gary, em um tom que geralmente usava - Eu vou colocar a faca em um saco plástico e enviar pro meu laboratório de investigação criminal.

Ninguém riu. A moça reconheceu que a afirmação fora absurda e esqueceu o assunto. Nem Davis, nem Jacques, nem Samantha pareciam ouvir agora. Cada um havia mergulhado mais uma vez em sua própria mente.

Com muita dificuldade e pesar, eles tiraram o corpo de Edwin do banheiro e o levaram para a praça. E, finalmente, o arquiteto fora enterrado, bem próximo dos outros: em um lugar onde, petulantemente, as sete peças que restavam no tabuleiro pareciam o observar.

* * *

O relógio marcava onze horas. Jacques, Davis, Samantha e Gary estavam sentados repartindo o último bolo da confeitaria.

A comida, no começo, parecia ilimitada. No entanto, fazia nove dias que eles estavam ali e, quando eles encontraram o estabelecimento, ainda havia treze pessoas no grupo. O fato é que as tortas também já estavam no fim, assim como o pó de café, as caixas de leite e os pães, dos quais só restavam dois.

Mesmo assim, ninguém se preocupava com isso, pois o estoque de outros alimentos ainda era consideravelmente grande. E a maioria da comida ainda continuava espalhada no chão desde o dia em que Anthony e Susan tiveram uma hora para encontrar a chave de desligamento da bomba-relógio.

Quanto à água, ela continuava jorrando na fonte interminável no centro da praça. Todavia, por precaução, eles sempre mantinham a estátua sobre a fonte e só a moviam quando iam encher garrafas de refrigerantes vazias.

Foi então que duas pessoas apareceram à porta. Mesmo os dois não fazendo nenhum ruído, os moradores da confeitaria não demoraram a notá-los.

Aparentemente, Jacques foi o que ficou mais surpreso e exultante, pois foi rapidamente à porta abri-la para os visitantes.

- Ei, espere, Jacques! - alertou Samantha.

Mas era tarde. O físico já não era mais separado dos dois por uma porta de vidro.

- Adam... - disse baixinho.

- Sou eu, Jacques - o homem respondeu, abraçando o outro.

Antes de perguntar qualquer outra coisa, Jacques se dirigiu à jovem ao lado.

- E você, minha querida, como se chama?

- Nicole - respondeu sorrindo.

- Entrem, por favor! Eu nem acredito...

Samantha, Davis e Gary já estavam levantados, prontos para revidar algum ataque, caso tivessem alguma surpresa. Porém, não foi preciso, pois assim que Adam e Nicole foram adentrando a confeitaria - olhando para os lados a todo momento, surpresos com o local - provaram que todos estavam do mesmo lado.

- Oh, meu Deus, Adam... – Jacques não cansava de exclamar. – Pessoal, esse aqui é o Adam. É um grande amigo meu e um físico bastante inteligente, por sinal! Arriscaria até dizer que é o meu pupilo.

Um grande sorriso se abriu sob a espessa barba do jovem. Tinha aproximadamente mesma idade que Davis e como ele não havia encontrado um barbeador, igual ao que os homens usavam na confeitaria, fora obrigado a deixar a barba e o bigode crescerem durante várias semanas. Sua roupa, assim como a de Nicole, estava bem suja, quase em farrapos, combinando com seu cabelo loiro desgrenhado e seus óculos, tortos para a direita.

- E essa - apresentou Jacques - é a Nicole.

O aspecto da moça não era melhor que o do seu companheiro. Era um pouco mais jovem e devia ser uma linda moça se seus negros cabelos em chanel não estivessem malcuidados e sujos de terra e seu corpo não estivesse com tantas feridas e cicatrizes.

Ambos, assim como todos os outros, usavam roupas de dormir.

Depois de cada um se apresentar, Samantha questionou:

- De onde vocês vieram?

- Scacci, como vocês - respondeu Adam.

- E como... - começou a arqueóloga, mas Nicole a interrompeu:

- Kaninchen está entre vocês?

Ninguém respondeu. Nicole e Adam se entreolharam: não esperavam que algum deles se manifestasse.

“Há mais alguém aqui?”

- Não - Jacques respondeu. - Só nós.

- Mas quem são vocês? De onde apareceram?

Foi Adam que respondeu a Samantha.

- Nós éramos do outro grupo. Somos os únicos que sobreviveram.

- Por que só agora vieram até nós? - indagou Jacques.

- Viemos lhes contar a verdade. Vocês precisam saber de tudo, o segredo não poderia morrer conosco.

O clima de expectativa dominou a desconfiança entre eles.

- E onde o grupo de vocês se escondia? Quando vocês chegaram?

- Bem, não há tempo a perder - Adam olhou para Nicole, e esta fez um gesto para que ele prosseguisse. - Vamos lhes contar toda a nossa história.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 23 de dezembro

Um comentário:

Luiz Fernando Teodosio disse...

Ufa, finalmente o suspense vai ser solucionado. Esses dois sabem quem é o Kaninchen? Ele não tá entre os que estão na confeitaria?