domingo, 16 de dezembro de 2007

Capítulo 35 - Os Últimos Dois

Triiimm...

Triiimm...

Era um ano atrás. Edwin resmungou alguma coisa. O barulho do telefone o atrapalhava a assistir seu jogo na televisão.

Triiimm...

- MEGAN! - gritou ele da sala. - Você não vai atender a droga do...

- Alô?

Satisfeito que ela tivesse atendido à chamada, Edwin voltou sua atenção ao seu programa. Pelo menos seus olhos visavam à tela da televisão. Sua mente, entretanto, estava em outro lugar.

Tomara que não seja a irmã da Megan, ele pensava, aquela psicopata...

Ele agora se esforçava para lembrar o nome de sua cunhada. A única coisa que se recordara era que o nome começava com a letra M. Percebeu, após alguns minutos, que a tentativa era inútil e decidiu voltar sua atenção novamente ao jogo de rugby.

Um minuto depois, Edwin pensou ter ouvido alguém soluçando.

- Está tudo bem, Meg?

Silêncio. O jogador de rugby da televisão se preparava para uma jogada.

- Está - Megan gritou em resposta, a voz um pouco mais pastosa que normal.

Cinco minutos depois, ela se sentou no sofá, ao lado de Edwin.

- Ed, preciso falar com você - ela disse.

O homem pestanejou.

- Tem que ser agora?

- Tem.

O arquiteto pareceu desapontado, mas mesmo assim se dispôs a ouvir o que sua esposa tinha a dizer.

- Diga.

- Ed... - lágrimas começaram a escorre dos os olhos da mulher. - Eu... Quem ligou foi... foi seu irmão.

Edwin esperou. Preferia não tirar nenhuma conclusão precipitadamente. Mesmo assim, ele não pôde deixar de imaginar se teria algo a ver com a sua mãe.

Megan encarava seu marido carinhosamente.

- Era... era sobre sua mãe, querido. Você sabe que ela estava muito doente e...

- O que houve com ela? – ele a apressou.

Enquanto uma parte do seu cérebro já sabia a resposta, a outra parte insistia em não fazer deduções.

- Ela... ela... - as palavras saíram com dificuldade da boca da mulher - Ela faleceu.

“Sinto muito, querido”, acrescentou em seguida.

O olhar de Edwin estava estático. Não estava preparado para isso.

Sua mãe, logo sua mãe, uma mulher tão forte, tão corajosa. No auge de seus noventa anos, mas que para o arquiteto ainda mantinha a jovialidade de vinte anos atrás.

Por que logo ele havia sido escolhido para sofrer tanto? Por que aquele câncer tinha escolhido justo o corpo de sua mãe para se desenvolver?

O teto parecia querer desabar sobre sua cabeça, definitivamente não estava pronto para uma notícia dessas.

Megan permanecia ao seu lado, chorando: sempre fora muito emotiva. Somente olhava para Edwin, esperando alguma reação.

Todavia, ele não reagiu. Suas pupilas continuaram imóveis e pelo canto do olho, se o homem quisesse, poderia continuar assistindo seu jogo.

Mas ele não queria. Não sabia o que queria. Nem se importava mais.

A pessoa batalhadora que o criara e o ensinara tudo da vida havia partido. Desta vez, para sempre.

Enquanto isso, o jogo de rugby na televisão continuava normalmente. E ao mesmo tempo em que uma sensação de tristeza se apoderava do arquiteto, o comentarista do jogo anunciava que um dos times acabara de marcar três pontos, com um espetacular e admirável Drop Goal...

* * *

Nada estava bem naquele dia. O tempo parecia mais nublado que o normal e o barulho da explosão ainda ressoava no ouvido de alguns.

Eram quase nove horas e a fumaça que encheu o ar de madrugada já havia se dispersado. No entanto, o nobre de gesto de Anthony de se isolar e a determinação de Susan de não abandoná-lo ainda permaneciam vivos na lembrança deles.

Mesmo se conhecendo há duas semanas apenas, um intenso sentimento de paixão parecia ter nascido entre as duas vítimas da mais recente armação de Kaninchen. Eles estavam mortos, mas era indiscutível a todos que Anthony e Susan não sofreram tanto na hora da morte quanto se poderia imaginar.

De qualquer forma, nada os traria de volta e seus corpos continuariam para sempre carbonizados sob os destroços de uma velha casa.

Não existiam muitos vestígios do casal, principalmente porque os escombros dominavam todo o lugar que outrora fora uma casa, e, portanto, não havia o que enterrar.

Mesmo assim, os cinco fizeram questão de ir à praça e demarcar uma pequena sepultura para os dois. Lá, a brisa refrescante das árvores batia no rosto deles e os despertavam para a realidade.

Quatorze dias atrás, dezessete pessoas mantinham ardente a esperança de voltar para casa. Até agora, doze haviam falhado, e a perspectiva de retornar aos seus lares era como uma vela quase no fim.

Aos poucos, cada um ia aceitando seu destino; assim como Anthony fizera minutos antes de morrer.

Jacques, Davis e Edwin se puseram a vislumbrar a estátua; a fantástica estátua. Havia oito peças ainda esculpidas nela; duas peças de cada lado haviam desaparecido.

Samantha chorava baixinho sobre os túmulos e Gary se recostara em uma grande árvore.

- Será que um dia chegaremos a descobrir o verdadeiro mistério do tabuleiro? - indagou Edwin.

- Talvez ele não tenha mistério algum - disse Davis. - Talvez a explicação para isso seja mais simples do que pensamos.

- Ou talvez - opinou Jacques - esse enigma seja mais surpreendente do que jamais imaginaríamos.

Os outros dois concordaram e continuaram olhando para a estátua. Agora que restavam tão poucos, a cidade parecia ter, do nada, ficado vazia, deserta, e todos tentavam adiar a hora de voltar à confeitaria.

Provavelmente por esse motivo, eles se puseram a discutir sobre as outras partes que compunham a estátua. Além do tabuleiro, também eram esculpidas com a mesma pedra as representações de duas pessoas, os jogadores.

Um dos enxadristas era um homem, aparentemente idoso, e sua imagem estava perfeitamente intacta. Já o sexo do seu adversário era difícil de definir, pois deste estava faltando toda a parte da cintura para cima; a única coisa que era possível visualizar desse jogador eram suas pernas.

- Estive pensando... será que esses dois já existiram algum dia? - indagou Jacques.

- Pode ser que ainda existam - foi a sugestão de Davis.

- É, pode ser...

Samantha se aproximou do grupo com os olhos inchados.

- A estátua tem dois mil anos, não foi o que disse da primeira vez que a viu, Sam? - perguntou Edwin à moça.

- Foi... - ela respondeu. - Mas não estou mais tão certa quanto a isso. Essa estátua... ela é a coisa mais estranha que eu já vi! Todo dia as peças da estátua mudam de lugar e eu não tenho explicação para isso.

- Já pensaram que esse tabuleiro pode ser removível e cada noite trocam-no por outro? - sugeriu alguém.

- Não, impossível - afirmou Jacques. - É evidente que ele é fixo à pilastra que o prende ao chão, nem vários homens conseguiriam erguê-la. Eu ainda acho que é algo além da nossa concepção lógica.

- Algo sobrenatural, você quer dizer?

- Exatamente.

- Mas logo você dizendo uma coisa dessas, Jacques? Por que sempre acha que tudo aqui é resultado de algo anormal? Logo você que é físico! - indagou Davis.

- Ora, Davis, aí é que está! Nós, físicos, aprendemos sempre achar uma explicação para tudo. Sempre. Mesmo que não entendamos o fenômeno nós temos a obrigação de explicá-lo e dar-lhe uma equação. O grande problema - ele continuou - é que, até agora, eu não encontrei nenhuma explicação lógica para o que estamos vivendo.

* * *

A noite caíra. Tudo estava em silêncio naquela casa, inclusive seus dois habitantes.

- Acho que já foram - disse o homem após alguns minutos.

- Quem você acha que era? - perguntou a mulher, ainda sussurrando por precaução.

- Não sei. Provavelmente Wert, mas Kaninchen podia ter vindo junto dessa vez também.

O silêncio continuou por mais alguns instantes, até ser quebrado por Nicole.

- Duvido. Kaninchen não sai mais de perto do outro grupo.

Adam deu uma risada forçada à menção dá última palavra.

- Outro grupo? E por acaso há algum grupo além do deles? O que somos agora? Só uma dupla!

- Realmente - assentiu Nicole - mas, caso você já tenha se esquecido, éramos mais de trinta quando chegamos aqui!

- Éramos - repetiu o homem. – Porém, aqueles assassinos desgraçados conseguiram acabar com todos.

- Todos, menos nós.

- É, mas você acha que vai demorar pra eles nos acharem?

Nicole tentou desviar do assunto. Não gostava de pensar nisso:

- Acho que não. E é exatamente por isso que precisamos encontrar logo o outro grupo e contar-lhes toda a verdade.

Adam soltou um muxoxo.

- Eu sei, eu sei, mas nós ainda precisamos pensar em uma estratégia primeiro. Não podemos chegar lá revelando tudo: Kaninchen está entre eles, lembra?

A moça não respondeu imediatamente. Também não gostava da idéia de se infiltrar no grupo de Kaninchen, porém parecia ser a única solução.

- Adam, não podemos adiar mais. Nós somos os únicos sobreviventes do nosso grupo e não podemos deixar o segredo do diário morrer entre nós. Talvez ainda haja esperança pra eles, ou mesmo pra eu e você!

Vendo que o homem se mantinha calado, Nicole continuou:

- Vamos, você sabe que ninguém vai atirar na gente enquanto estivermos com eles. Basta nos mantemos unidos!

- O problema - disse Adam - é que todos sabiam disso, mas, mesmo assim, morreram uns trinta do nosso grupo e uns dez do deles. Kaninchen e Wert são muito espertos, Nicole, precisamos tomar muito cuidado...

A moça concordou com a cabeça.

Lá fora tudo continuava silencioso. Nem mesmo o pio de uma coruja era ouvido. Não havia luz na pequena casa em que os dois estavam e, por isso, eles mal conseguiam ver um ao outro. Somente a fraca chama de uma vela exibia um difuso contorno de suas silhuetas.

- Olha, Adam, não há mais tempo. Que horas são?

O homem aproximou seu relógio da vela para ver as horas. A pergunta lhe parecia um tanto inadequada para o momento, no entanto sabia que a única finalidade de Nicole era se localizar no tempo. Após tantas semanas tentando se adaptar à inquieta rotina daquela cidade e sempre morando em lugares escuros e abafados, acabava-se perdendo completamente a noção do tempo.

- São nove horas - respondeu ele - da noite - acrescentou com um sorriso.

- Bom, vamos agir amanhã de manhã então.

A decisão pareceu pegar Adam de surpresa.

- Já?!

- Já. Não podemos perder tempo, você sabe que...

O movimento de cada um era quase indistinguível naquele breu, mas, mesmo assim, a moça percebeu que o gesto repentino de Adam fora para que ela se calasse.

Quando Nicole silenciou-se, eles puderam ouvir o som de passos ao longe. Por falta de muita opção - a casa tinha apenas três cômodos - eles haviam decidido ficar na sala que era separada da rua por apenas uma parede. Por isso, eles podiam escutar os passos ficando cada vez mais audíveis.

A pessoa que caminhava do lado de fora chegou então em frente ao pequeno lugar onde Adam e Nicole prendiam a respiração. Para a sorte dos dois, a pessoa não parou. Continuou andando pelas ruas de paralelepípedo, esperando ingenuamente encontrar alguma luz acesa ou ouvir alguém conversando.

Assim que os passos se distanciaram, o casal suspirou aliviado, mas permaneceram em silêncio ainda durante um bom tempo.

Foi então que uma forte brisa que adentrou a casa pelas frestas da porta apagou a chama da vela. Contudo, nenhum dos dois se importou.

A única coisa que os afligia naquele momento era como seria o dia de amanhã...

(Continua...)


Próximo capítulo: Quarta-feira, 19 de dezembro


Um comentário:

Luiz Fernando Teodosio disse...

Será mais dois pra morrerem?