quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Capítulo 34 - Contagem Regressiva


Mesmo após o minuto de silêncio, todos continuaram calados.

Não sabiam o que dizer ou o que fazer e pareciam achar desrespeitoso falar algo na frente daquelas duas moças. A medida em que os dias passavam, o laço de afinidade crescia entre eles e ficava cada vez mais difícil suportar a perda de um amigo. E era ainda pior saber que compartilhavam a confeitaria com a pessoa que assassinava a todos, um por um.

Agora só restavam cinco homens e duas mulheres. Qualquer um dos sete poderia ser Kaninchen.

Qualquer um deles poderia ter sido quem portara a arma que tirou a vida de Joanne e Jaqueline. As irmãs haviam sido jogadas em frente a onde eles dormiam, para que todos pudessem ver os tão belos rostos com uma expressão de agonia estampada e cobertos de sangue e ferimentos.

Agora, seis daquelas sete pessoas torciam para que seus olhos os estivessem enganando, para que tudo aquilo fosse uma ilusão e que as duas jovens loiras à frente deles não estivessem realmente mortas.

Seis dos sete sofriam a morte de Joanne e Jacqueline, e um, apenas um, se felicitava. Não exatamente por estar vislumbrando dois cadáveres, mas porque aquilo tudo estava prestes a acabar.

Todos chegaram à mesma conclusão ao verem a estátua da praça. Restavam sete peças brancas e cinco pretas.

Das trinta e duas peças que compõem o xadrez, só doze haviam sobrevivido ao massacre cotidiano. E Kaninchen se alegrava com o fato, pois previa que, em poucos dias, estaria livre de seu encargo.

Bastava continuar eliminando-os que, muito em breve, não sobraria ninguém. As únicas peças que restariam no tabuleiro seriam os reis branco e preto, que eram sua representação.

No entanto, para isso, não podia se demorar. Sabia muito bem que não podia extrapolar no número de mortes por dia, mas, mesmo assim, o que não seria sensato era continuar dias e dias matando um só de cada vez.

Por isso sua próxima vítima fora meticulosamente escolhida. Sua tática desta vez seria, ao mesmo tempo, rápida e atroz.

Kaninchen a colocaria em prática nessa noite e não poderia haver nenhuma falha. Se tudo corresse como o planejado, na manhã seguinte, mais duas peças estariam fora do tabuleiro de xadrez.

* * *

- Anthony, Anthony! - chamou Susan, naquela tarde.

- Ei, o que foi? - respondeu o homem, deixando de lado a torta de frango congelada que estivera tentando cortar sem sucesso.

Susan se ajoelhou ao lado dele e falou em uma altura que só Anthony poderia ouvir.

- Eu descobri, Tony, descobri uma maneira de nós finalmente sairmos dessa cidade!

- Como? - questionou o outro, intrigado.

- Veja.

Ela pôs a mão no bolso e tirou dele um pedaço dobrado de um papel com aspecto envelhecido. Quando o desdobrou, Anthony pôde compartilhar de parte da excitação da moça: era um mapa.

- Esse mapa é para o quê eu estou pensando?

- É sim! - afirmou Susan, com entusiasmo. - É a nossa saída daqui, Tony! Liberdade!

O entusiasmo com que ela exclamou a última palavra chamou a atenção de Davis e Samantha que conversavam por perto, mas segundos depois eles já não estavam mais prestando atenção.

- Como pode ter certeza?

- Olhe - Ela apontou para um lugar no canto do mapa. - Aqui está escrito “saída da cidade”. O que mais pode ser?

- Ah, não sei... onde achou esse mapa?

- Bem, estava perto de onde dormi hoje. Assim que eu acordei eu o vi, porém logo alguém avistou os corpos da Joanne e a irmã - O estômago de Anthony deu uma revirada ao lembrar dos cadáveres estirados na calçada - e não tive a oportunidade de falar com você naquela hora.

- Contou para mais alguém?

- Não - afirmou Susan. - E nem pretendo. Um deles é o Kaninchen, lembra? Vai que eu conto justamente para ele e ele nos mata antes da gente conseguir sair da cidade!

- Mas você não desconfia que eu possa ser o Kaninchen?

- Lógico que não, seu bobo! - disse, e encerrou a frase dando-lhe um beijo.

Após refletir por uns minutos, Anthony falou:

- Olha, Susan, eu não sei... eu tô achando tudo isso muito estranho. Do nada, um mapa aparece perto de você com a indicação da saída e é isso?

- Bom, talvez seja alguém querendo nos ajudar...

- Quem? Um fantasma? Ora, vamos ser realistas, tudo isso é muito, muito suspeito.

Susan suspirou.

- Mas Anthony, o que temos a perder? Já estamos mesmo... condenados a morte.

Ele, com relutância, concordou. E concordou também com a sugestão de que, assim que anoitecesse, eles sairiam da confeitaria e seguiriam o mapa.

Anthony sabia que essa poderia ser a única chance de eles se salvarem.

* * *

- O quê? - Espantaram-se os outros.

- É isso mesmo - reafirmou Anthony. - Eu acho que como Kaninchen matou duas ontem, ele não matará ninguém hoje.

- Anthony, isso é loucura! - disse Davis. - Não podemos deixar de fazer vigia por causa de uma suposição!

- É eu sei, mas...

- Desista, Anthony. Não vamos deixar de montar guarda hoje! - afirmou Edwin. – Já basta não termos feito vigia na noite de ontem, quando seqüestraram Joanne.

- O.k. então - disse o homem, percebendo que seria inútil insistir. - Pois eu vou provar a vocês que não haverá mortes hoje. Vamos, Susan.

- Anthony, Susan, não! - gemeu Samantha.

- Desculpem - lamentou Susan, indo em direção à porta que Anthony mantinha aberta. - Mas fiquem tranqüilos, não há o que temer. Hoje, não.

Pelo menos é isso que os dois esperavam enquanto saiam pela escuridão, deixando as outras cinco pessoas na confeitaria estupefatas.

Susan desdobrou o mapa e Anthony o iluminou com uma lanterna velha e fraca que havia achado junto a uma pilha de quinquilharias.

- Para a direita. Agora para a esquerda - Susan guiava-os.

Até que chegaram no ponto assinalado no mapa como “Saída”. Anthony olhou para Susan e ela retribuiu o olhar. Eles estavam em uma rua sem saída.

- O que significa isso? - perguntou o homem, indignado. - Acho que devemos voltar e rever o caminho... talvez tenhamos virado no lugar errado... talvez...

“Susan?”

O som da voz masculina soou ao longe para Susan. Ela estava olhando fixamente para frente e aos poucos a verdade tomava forma em sua mente.

- Nós não erramos o caminho, Anthony. O nosso único erro foi ter vindo até aqui, seguindo esse mapa idiota... - E enquanto falava, a moça rasgava o mapa em pedaços - Vamos, precisamos sair daqui o mais rápido possível! É só nós virarmos na primeira esquerda que...

Mas era tarde demais. Ao girarem nos calcanhares, eles viram que um vulto estava parado diante deles, com uma arma em uma das mãos e um objeto indistinguível na outra.

- Fiquem parados - falou.

E Susan e Anthony permaneceram onde estavam, sem mover um músculo ou pensar em reagir. A moça tinha razão: haviam sido tolos ao cair na armadilha e agora sofreriam as conseqüências.

A pessoa que os encarava começou a ir em direção aos dois - sempre mantendo a arma levantada - e quando chegou perto de Anthony, agachou-se. Devido à penumbra que o encobrimento da lua pelas nuvens havia provocado, não puderam reconhecer o rosto do vulto, a única coisa que focavam era um cano de revólver apontado para eles.

Foi então que Anthony sentiu algo sendo preso no seu tornozelo esquerdo. A sensação foi parecida com a de uma algema, porém era largo como um bracelete. Quando ele e Susan olharam para baixo, seus olhos foram atraídos por uma luz vermelha que era emanada do objeto.

Ao olhar atenciosamente, Anthony percebeu o que era com assombro. Logo, Susan também viu o contador digital.

Sua contagem estava em 59 minutos e cinqüenta e tantos segundos, não parando de decair.

Os dois voltaram-se para a massa negra e disforme que havia se levantado e parecia sorrir logo à frente.

- É uma bomba, - explicou - e que explodirá em uma menos de uma hora. Há somente um jeito de impedir a explosão: achando a chave que desativa o dispositivo. Ela está na confeitaria... Boa sorte - completou ironicamente.

Susan e Anthony não precisaram de autorização para sair correndo em debandada. Eles nem mesmo se preocuparam em descobrir a identidade do vulto.

E ao passo que os dois se afastavam rapidamente, Wert permanecia em pé no mesmo lugar, ainda segurando seu revólver. Olhou de relance para o mapa em pedaços jogado no chão, seguido inocentemente pelos dois, e concluiu que havia, de fato, feito um bom trabalho.

* * *

- O que aconteceu, Anth... o que é isso na sua perna? - perguntou Jacques, assim que Anthony e Susan entraram ofegantes na confeitaria.

O francês, juntamente com Edwin e Davis, estava sentado de vigia próximo à porta e se assustou ao ver o choque na face pálida do casal.

- Alguém... - ofegou a repórter, em uma tentativa desesperada de alertar a todos - Colocou uma... uma... bomba no Anthony...

Como prova, o homem levantou o tornozelo esquerdo à vista de todos, inclusive a Gary e Samantha, que haviam acordado com o alarde, e eles puderam ver o contador. Marcava 53 minutos.

- Quem? Como? - indagou Edwin, surpreso.

- Alguém... nós não... conseguimos ver quem era - a exaustão ainda roubava o fôlego de Susan.

- Homem ou mulher?

- Eu... eu não sei.

Ninguém teve muita certeza que essa última afirmação era verdadeira. Se ela dissesse que a voz era de uma mulher, todos incriminariam Samantha, e Susan não faria isso com a amiga. De qualquer forma, parecia impossível que alguém tivesse deixado a confeitaria e retornado sem nenhum dos três homens que estavam de vigia notarem.

- Vocês têm a alguma idéia de onde esteja a chave? - perguntou Samantha.

- Aqui - responderam Anthony e Susan juntos.

- Aqui, na confeitaria?

Eles somente assentiram e começaram a correr para as prateleiras e iniciarem a busca. Sem demora, os outros cinco se dispuseram a ajudar também. Nem passou pela cabeça deles dar uma lição de moral em Anthony por ele ter desobedecido a sugestão dos outros mais cedo.

A procura, então, começou. Retiravam os produtos das prateleiras em busca de um objeto que encaixasse no pequeno buraco que havia ao lado do visor da bomba-relógio; levantavam caixas, verificavam dentro de pacotes e latas abertas, examinavam atrás de quadros nas paredes e tudo era em vão.

Trinta minutos já haviam se passado; só restavam mais trinta.

E o tempo continuava correndo. Os ponteiros do relógio pendurado na parede giravam em sincronia no sentido horário, aumentando, cada vez mais, a aflição de Antony. Seu rosto agora ostentava um tom escarlate, e seu corpo suava em resposta ao desespero que ele sentia.

Olhou para o contador em seu próprio tornozelo: ele tinha vinte minutos. Mesmo sabendo que ainda era possível se salvar, já havia tomado sua decisão: se não achassem a chave a tempo, ele teria que ir para algum lugar onde a explosão não afetasse ninguém.

Susan, presumindo que essa seria a reação de Anthony, também procurava freneticamente. Estava determinada a não deixá-lo morrer.

Quando restavam apenas dez minutos, já não era tão fácil andar pela confeitaria.

Por todos os corredores haviam produtos espalhados - chocolates, cereais, tortas, temperos, saquinhos de chá e muitos outros alimentos - e a maioria das prateleiras estavam praticamente vazias.

A chave, porém, ainda estava desaparecida.

Anthony, sabendo que a explosão estava se tornando cada vez mais inevitável, resolveu esclarecer algo que martelava em sua cabeça:

- Edwin, eu preciso que você me responda sinceridade.

O arquiteto parou sua procura e olhou atentamente para Anthony.

- O que houve?

- Eu preciso saber sua opinião como alguém que já serviu o exército: isso que está na minha perna pode mesmo ser uma bomba? Quero dizer, há alguma possibilidade de estarmos sendo enganados?

Edwin abaixou a cabeça e respondeu, aparentemente com pesar:

- Olhe, Anthony, pelo o que eu conheço de bombas, isso que você tem no tornozelo é realmente uma... uma bomba-relógio. Há dois fios aqui e um dispositivo desse lado que...

Ele parou de falar. Lágrimas escorriam pelos olhos de Anthony.

Edwin olhou para os números no mostrador e entendeu o porquê. Restavam seis minutos.

“Sinto muito”, foi a única coisa que o arquiteto conseguiu dizer.

Anthony continuou parado e olhou para as pessoas que o ajudavam. Uma delas, estava mentindo, ele tinha certeza. Uma delas sabia exatamente onde estava a chave, mas fingia procurar e se importar que daqui cinco minutos, Anthony estaria morto.

Edwin, Davis, Samantha, Gary ou Jacques.

A vontade do homem era gritar “Ei, Kaninchen, queime no inferno, desgraçado!”, no entanto, ele não disse isso. Não disse nada na verdade: queria que os últimos minutos de sua vida fossem silenciosos, desejava que pelo menos no fim não sentisse a cólera e a agonia que tomara conta de si há quase uma hora atrás.

Lentamente ele se dirigiu à porta da confeitaria sem olhar para trás ou se despedir de ninguém. Não gostava de despedidas.

O marcador em seu tornozelo indicava que lhe faltavam dois minutos e meio.

A porta se abriu e logo se fechou.

- ANTHONY! - Susan gritou, assim que notou que o homem havia acabado de sair da confeitaria.

Quando ela começou a ir para a entrada, alguém lhe chamou ao fundo.

- Susan! Ei, Susan, venha cá! Eu achei a chave!

Um minuto depois, a moça saia do estabelecimento com a pequena chave segura em sua mão. Amaldiçoando mentalmente a garrafa de refrigerante dentro da qual estava a chave, Susan berrava o nome de Anthony.

Após mais um minuto, ela achou o homem em uma casa com um aspecto bastante antigo e desgastado.

- Tony, veja! Nós achamos a chave, nós achamos!

O rosto de Anthony se iluminou. Será que ainda haveria alguma chance?

O contador regressivo estava em trinta segundos.

Susan e Anthony se agacharam rapidamente, ela encaixou a chave de desativação no buraco correspondente na bomba-relógio e girou.

Os dois prenderam a respiração.

Nada aconteceu.

23 segundos.

Ela tentou girar a chave novamente, mas o mostrador continuava trocando os números.

18 segundos.

Anthony retirou a chave do buraco e a inseriu mais uma vez, girando-a desvairadamente.

Porém, todo o esforço foi inútil.

Quando só faltavam quinze segundos, Anthony disse baixinho:

- Vá.

Contudo, Susan não se mexeu. Somente balançou a cabeça negativamente e disse, sem emitir nenhum som, apenas movendo os lábios:

- Eu te amo.

8 segundos.

Nem Anthony nem Susan se importavam mais em tentar desativar a bomba. Aquele decisão poderia até parecer irracional, todavia, a única coisa com que eles se preocupavam era continuarem olhando um para o outro. Sequer pensavam na morte ou em por que a chave não tinha funcionado, somente permaneciam em silêncio, admirando um ao outro com o olhar.

5 segundos. Os números permaneciam em contagem regressiva.

Quase no fim, os lábios de Anthony encontraram os de Susan.

E eles não se separaram até que, três segundos depois, o marcador chegou ao zero.

Nesse exato momento, o barulho de uma explosão foi ouvido por toda a cidade.

(Continua...)


Crédito da ilustração: O autor.

Observação: A ilustração no início do capítulo é meramente ilustrativa e não representa fielmente o contador descrito no texto acima.


Próximo capítulo: Domingo, 16 de dezembro

2 comentários:

Tifon disse...

Gostei muito dessa contagem decrescente. Um momento de suspanse e de cortar a respiração, hem?

Um abraço

Luiz Fernando Teodosio disse...

Ei, ei, quem foi que deu a chave pra Susan? É ele!
Chega dar pena dos personagens morrendo. O Adonis devia ta de mau humor quando escreveu os assassinatos.