domingo, 9 de dezembro de 2007

Capítulo 33 - Dois Coelhos

Wert estava de pé, apontando uma arma para elas.

- Fechem a porta - ordenou. - E sentem-se.

As duas obedeceram. No meio da sala, agora, havia duas cadeiras; a que tinha sido colocada recentemente era um pouco mais baixa do que a outra, porém tinha o mesmo aspecto envelhecido.

Joanne piscava os olhos, estranhando tamanha escuridão. Agora que a porta estava fechada, somente uma pequena fonte de luz que pendia do teto iluminava o cômodo.

- Wert, lembre-se de seu juramento! - falou Jacqueline. - Você prometeu que não machucaria minha irmã!

Wert riu.

- Ah, minha querida, o que te fez acreditar que eu cumpriria com a minha promessa?

- Mas será que você não tem nem um pouquinho de palavra? - desafiou a modelo.

A risada de Wert ficou ainda mais audível.

- Palavra?! Ora, faça me o favor! Eu mato pessoas e não brinco de honra e ética com elas! Agora cale a boca, Kani já deve estar chegando.

De fato, vinte minutos depois, Kaninchen entrou ofegante na casa. Joanne não se surpreendeu ao ver quem era, sua irmã já havia lhe contado e, quando soube pela primeira vez, aí sim, ela chocou-se.

- Hum, veja só quem temos aqui. Joanne... nem desconfiou de minha armadilha?

Joanne nada disse. Kaninchen sorria, apesar de estar evidente sua aflição.

- Wert, amarre-as.

Como elas eram em duas, Wert havia preferido mantê-las sob a mira de seu revólver a tentar prendê-las. Agora que Kaninchen havia chegado, no entanto, elas nunca tentariam reagir e Wert teria prazer em prepará-las para a morte.

- Bom, - disse Kaninchen - é como diz aquele ditado: “dois coelhos com uma só cajadada”.

- O que quer comigo? - perguntou Joanne, os olhos mareados.

- Eu? Com você? Nada. Só matá-la, mesmo.

O insano sarcasmo fez Wert gargalhar, enquanto as irmãs ficavam cada vez mais desesperadas.

“Seu desejo era fazer psicologia, não é mesmo, Joanne?”

A moça assentiu.

“Pois bem, assim como dei a sua irmã uma chance de sobreviver...”

- MENTIRA! - protestou Jacqueline. - TUDO MENTIRA! Eu fiz tudo o que você pediu, cumpri as três tarefas e, no final, de nada adiantou! Vocês não passam de dois canalhas desprezíveis!

Kaninchen não pensou duas vezes antes de sacar sua arma e dar um tiro que passou raspando no ombro da moça. Enquanto ela começou a gemer de dor, Kaninchen continuou a falar, impassível.

- Isso não foi muito educado de sua parte, Jaqueline. Pelo menos, você salvou sua irmã. Eu até deixarei ela viva!

Um alívio imediato e incondicional irrompeu no peito de Jacqueline. Será que realmente conseguira salvar Joanne?

“Só que, para isso, ela precisa me convencer a não matá-la. E rápido, pois não tenho muito tempo! Vamos lá, Joanne, tem um minuto.”

A moça não sabia o que dizer. Sua vida dependia dos próximos sessenta segundos e ela tentava a todo custo manter a calma e dizer algo bem convincente.

- Bem... - começou. - Olhe, você não tem por que nos matar, sabe. Se você quiser, nós saímos da cidade e a gente não conta para ninguém sobre o que aconteceu aqui... Para quê sujar sua alma com... com... nosso sangue?

Segundos de silêncio. Joanne sabia que não estava dando certo, por isso, resolveu trocar sua abordagem.

- Você acha que... que seus pais gostariam disso?

A sutil reação de Kaninchen a essas palavras incentivou Joanne a continuar.

- E seus amigos? E toda sua família? Por que matar, se sujeitar a um ato tão sórdido? O que nós fizemos pra você? Ponha-se no nosso lugar, imagine que estivesse prestes a morrer a troco de nada!

Kaninchen agora prestava imensa atenção na jovem. Quando ela tentou continuar, Wert a interrompeu:

- Bééé! Tempo esgotado! Infelizmente menina, você...

- Silêncio - Kaninchen se impôs. - Ora, ora, ora, se saiu muito bem, garota! Quase que consegue me convencer. Apesar de não me persuadir inteiramente, eu cumprirei minha promessa e lhe deixarei livre. Wert, solte-a.

Evidentemente a contragosto, Wert obedeceu. Assim que estava livre das amarras, Joanne se ajoelhou e implorou:

- Por favor, soltem minha irmã também! Eu não sou nada sem ela!

- Trato é trato. Disse que soltaria você, não ela. Agora...

Kaninchen apontou a arma para Jacqueline e já estava com o dedo no gatilho quando, em um movimento inesperado, Joanne tirou um revólver de seu bolso e puxou o gatilho. Nada aconteceu.

- Será que é o que eu estou pensando? - falou Wert - Essa arma é a que eu dei à sua irmãzinha para cumprir a segunda tarefa? Bom, se for, saiba que eu nunca coloquei balas nela. Acha mesmo que daria uma arma carregada pra ela?! - ironizou.

Joanne soltou o revólver que sua irmã havia lhe dado minutos atrás, quando ainda estavam livres, e observou Kaninchen mirar, novamente, sua própria arma para Jacqueline.

- ESPERE! - gritou Jacqueline. - Eu sei de tudo!

O revólver não disparou.

- Tudo? Tudo o quê?

- Tudo - repetiu a moça. - Sei sobre a lenda, sobre a estátua, sobre vocês.

- Mas como...

- Eu li. Li o diário.

Apesar de ninguém ter percebido por conta da baixa claridade, Kaninchen e Wert empalideceram. O coração dos dois batia acelerado: o que eles mais temiam estava se tornando realidade e sendo anunciado pela voz aguda e desesperada de Jacqueline.

- Eu e todo o grupo das peças pretas - ela continuou. - Talvez não tenham percebido, mas quando saí para buscar o diário, levei a chave comigo por garantia. Assim que cheguei no esconderijo deles, acabei sendo pega pelo grupo e, na inocente posição de refém em que estava, acabei acordando em lhes dar a chave para que eles abrissem o diário, já que estávamos do mesmo lado. O escrito estava em latim, mas eles já estavam preparados para isso. Haviam buscado um senhor que sabia o antigo idioma e que traduziu tudo para nós. Tudo.

Demorou um pouco para que alguém falasse. Joanne continuava parada, em pé, ao lado da irmã e Jacqueline já havia esquecido a dor em seu ombro.

- Ora, Kani, vamos, é óbvio que é mentira! - disse Wert, parecendo não acreditar na sua própria afirmação.

- Não, não é - Kaninchen, de alguma forma, sabia que era tudo verdade. Tinha certeza que uma hora ou outra isso aconteceria, só não esperava que fosse agora. - Bem, menina, eu agradeço que você tenha me contado como seu último ato de caridade, mas agora eu vou ser obrigado a te mat...

- NÃO! - berraram Jacqueline e Joanne em uníssono.

Kaninchen, novamente, não atirou: uma dúvida surgira em sua mente.

- Antes, porém, eu fiquei curioso: por que você nos contou tudo isso?

Jacqueline tomou fôlego e engoliu as lágrimas que entraram em sua boca.

- Foi somente para vocês saberem que não importa se me matarem, ou não, porque agora há mais pessoas que sabem o seu segredinho e, pode apostar, que, em breve, a vítima será vocês.

Aquelas desafiadoras palavras foram as últimas da moça. Assim que ela terminou, Kaninchen pegou seu revólver com silenciador e disparou três tiros contra Jacqueline. Todavia, nenhum sangue foi espirrado do corpo da moça: um instante antes do gatilho ser puxado, Joanne se jogara na frente da irmã e recebera as três balas no peito.

Quando a jovem caiu morta em frente à Jacqueline, esta fez menção de gritar, mas nenhum som saía de sua boca. Havia somente lágrimas escorrendo desesperadamente pelo seu rosto abatido.

- Coitada - caçoou Kaninchen, fingindo piedade. - Morreu em vão.

Foi então que disparou mais quatro tiros e que, dessa vez, atingiram Jacqueline.

Momentos antes de dar seu último suspiro, uma seqüência de lembranças passaram pela cabeça dela. E, ao mesmo tempo, uma intensa sensação de culpa foi tomando conta de Jacqueline, apertando fortemente seus pulmões e impedindo, gradualmente, que ela pudesse respirar.

Após alguns segundos, o sangue continuava a pingar no chão gelado, contudo, ele, agora, escorria de um corpo sem vida.

Como, inconscientemente, Kaninchen havia se levantado da cadeira enquanto se assombrava com as revelações de Jacqueline, se sentou novamente e exigiu:

- Tire-as da minha frente.

Wert, de cara amarrada, desamarrou Jacqueline e arrastou o cadáver para um outro cômodo com dificuldade. Depois se preocuparia em onde a iria jogar.

Ao chegar perto do corpo de Joanne, hesitou. Seu recuo fez Kaninchen questionar:

- Não vai levá-la daqui?

- Não. Sua vez de carregar o cadáver - respondeu Wert sorrindo. - Prometi à outra que não tocaria um dedo na irmã.

E soltou uma risada sarcástica.

(Continua...)


Próximo capítulo: Quarta-feira, 12 de dezembro

Um comentário:

Luiz Fernando Teodosio disse...

Sabia que elas iam morrer. A cada morte, meu ódio pelo Kani e a Wert aumenta. mas não sei porque também gosto deles, tão frios. Sinto pena dos mocinhos e admirações pelos vilões, que nessa história está sendo mais caracteristico.