quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Capítulo 28 - O Segredo de Lin

Como acontecia em todas as manhãs, eles acordaram assustados. Tinham a certeza de que mais um havia sumido do grupo e nunca mais voltaria. Estavam certos: na noite passada, Johann havia sido morto, envenenado enquanto tocava seu saxofone.

Já que seu corpo não fora achado pelas pessoas que adotaram a confeitaria como refúgio, elas apenas se dirigiram à praça e cavaram uma pequena cova, rezando para o músico um breve funeral.

Contudo, o interesse de pessoas como Jacques e Edwin, por exemplo, de ir à praça ia além das exéquias. Logo que puderam, observaram o tabuleiro de xadrez que ficava no centro do local.

Assim como anteriormente, o número de peças de cada lado estava desigual. Das peças brancas faltavam sete peões, enquanto o desfalque nas peças pretas era de todos os oito peões, uma torre e um bispo.

E um dos peões brancos que não estavam mais jogando no tabuleiro representava Johann. Para ele o jogo já havia acabado.

* * *

Todos os dez sobreviventes voltavam agora para o estabelecimento onde ficavam.

Aproveitando que Lin Tseng andava um pouco afastada do grupo, Kaninchen se deixou ficar para trás intencionando caminhar ao lado da chinesa.

- Olá, Lin - cumprimentou Kaninchen calmamente para não despertar suspeitas. – Fiquei sabendo que você pode me entender, é verdade?

A moça parou subitamente e olhou estática para a pessoa ao seu lado, prestes a reagir.

- Olha, seria melhor para você se não abrisse a boca ou corresse - continuou. - Porque senão eu poderia eventualmente disparar o revólver que tenho apontado para você.

Nesse instante, os dois parados no meio da rua enquanto o resto do grupo prosseguia sem notar suas faltas, Lin sentiu o cano frio de uma arma sendo encostado violentamente em suas costas.

- A única coisa que tem que fazer é seguir minhas ordens sem nenhuma reação - ameaçou Kaninchen. - Olhe para a esquerda - Ela obedeceu. - Caminhe por essa rua até encontrar com uma pessoa que deve conhecer muito bem. Wert te guiará a partir de então.

E sem demora, acrescentou: Vá!

A moça, seguida pela mira de uma pistola, andou apressada pela rua à esquerda sem saber se preferia a companhia de Kaninchen ou Wert.

Influenciada pela pistola que Kan segurava, ela decidiu prosseguir até que uma voz conhecida e rouca chamou:

- Olá, Lin Tseng. Lembra-se de mim?

Enquanto isso, Kaninchen se apressava para alcançar o grupo de oito pessoas que ia à frente.

* * *

- Então, você fala mesmo nosso idioma?

Lin não sabia o que responder perante a indagação de Kaninchen. O Sol há muito já havia se ocultado atrás do horizonte e ela estava amarrada a uma cadeira em frente a Wert e Kaninchen, que mostrava muito interesse pela moça.

A corda que a prendia, apesar da chinesa não ter conhecimento, já haviam amarrado outras duas pessoas; uma delas havia sido Johann, o primeiro que descobrira seu segredo.

- Como sabem? - ela perguntou. - Foi o Johann?

- Quem faz as perguntas aqui sou eu... - começou Kaninchen, mas Wert interrompeu.

- Kani ouviu quando você e o saxofonista conversavam. - disse.

- Ouviu? - intrigou-se Lin.

- Ouvi - Kan respondeu. - Assim que escutei uma voz feminina desconhecida, fui logo averiguar e entreouvi o final de seu diálogo. Aliás, isso influenciou bastante minha escolha. Tive pressa em matar o dinamarquês porque... - por um instante, relutou eu continuar, mas prosseguiu. - Porque se eles descobrissem que você podia falar nossa língua, tinha certeza que você ia logo revelar coisas que não deveria.

- O quê, por exemplo? - questionou Lin, já sabendo a resposta.

- Por exemplo, - irritou-se - que você pertence ao outro grupo e corresponde a uma peça preta! E não venha me falar que não sabia disso!

Ela encarou Kaninchen durante um tempo e nada respondeu. Internamente, seu coração batia desesperado e ela rezava em uma aflita solicitação de socorro. O que Lin demonstrava, porém, era a imagem de uma guerreira, alguém que não desistiria fácil.

O tempo que transcorrera desde que Kaninchen a ameaçara com a arma nas costas logo de manhã até àquela hora havia lhe fortalecido muito as esperanças de que, talvez, pudesse não ser mais uma vítima fácil dos assassinos.

Kaninchen sussurrou alguma coisa no ouvido de Wert, que logo se retirou do cômodo sombrio para procurar algo.

Logo voltou segurando um cortador de charutos.

- O que... o que vão fazer? - indagou a chinesa.

- Você sabe! - respondeu Kaninchen, aparentemente com pressa. - Vamos, me dê sua mão!

Wert olhou para Kaninchen, estranhando-o. Era visível que as mãos de Lin estavam amarradas... então por que o pedido?

Sob o olhar também espantado da chinesa, indignada com a distração de Kaninchen, Wert foi logo desamarrar as mãos dela.

Assim que estava livre, Lin se viu novamente sob a ameaça de uma arma, desta vez da pessoa que a havia desamarrado.

Enquanto isso, Kaninchen agarrou a mão direita da moça e encaixou-lhe o cortador de charutos aberto no dedo indicador, obviamente pretendendo fechá-lo se não obtivesse as respostas que queria.

- O que quer saber? - perguntou Lin, chorando agoniada.

- Primeiro, onde é o esconderijo de vocês? - Kan questionou.

- De nós...?

- É, de vocês! Do grupo ao qual você pertencia alguns dias atrás e que representa as peças pretas! Onde vocês se escondem?

- Eu... eu não sei! - ela disse, receosa por não ter a resposta esperada. - Assim que eu fui embora eles estavam de... de mudança. Não faço idéia de onde estejam agora, juro!

Kaninchen apertou ligeiramente o aparato que segurava pressionado ao dedo da moça, fazendo escorrer um pouco de sangue.

- Ela está dizendo a verdade, Kani. - observou Wert. - Eles realmente se mudaram assim que o outro grupo chegou.

Contrariado, Kaninchen alterou a pergunta.

- O que sabem sobre a lenda?

- A... a lenda? Sabemos que existe, só isso.

- Só?

- Só - realçou Lin.

- Por acaso, você conheceu a mulher que estava no seu antigo grupo que diz ver o futuro das pessoas na parede?

- Sim... sim - ela afirmou. - Ela viu o meu futuro! Disse que eu ia fazer uma troca e disse que me viu com algo tampando a minha boca, me impedindo de falar.

Kaninchen analisou a predição. Certamente, o que a mulher havia visto proibindo a chinesa de falar era uma metáfora para uma estratégia.

- E por que a princesa oriental aqui resolveu trocar de lado?

- Bom, todos do meu antigo grupo estavam sendo assassinados e eu pensei que com o outro grupo eu estaria mais protegida de... de vocês. - respondeu, ainda em prantos.

- Mas por que fingir que não fala nosso idioma? RESPONDA! - acrescentou ao ver que ela ficava calada a essa pergunta.

Quem falou, no entanto, foi Wert.

- É óbvio, não? Nós sabíamos que no primeiro grupo dela, o das peças pretas, todos falavam nosso idioma. Ela fingir que só sabia o chinês era simplesmente para nos despistar!

Kaninchen, irritado por não fazer nenhuma nova descoberta, agiu por impulso: apertou o cortador de charuto com força e cortou fora o dedo indicador direito de Lin.

A chinesa gritou alto de dor. Kaninchen, não se importando com o sofrimento da moça, se dirigiu a outro cômodo e ordenou que Wert o acompanhasse.

Lin não soube o que a despertou para sua situação, todavia, o fato é que ela esqueceu a dor por um instante e percebeu que aquela seria sua única chance de escapar.

Sem perder tempo, a moça segurou a mão direita para tentar conter o sangue, levantou-se apressada da cadeira, abriu a porta o mais rápido e silenciosamente que pôde e saiu, não sem antes pegar um pequeno objeto dentro da gaveta de um criado-mudo de mogno.

Quando ouviu o barulho da porta batendo, Kaninchen e Wert correram para a sala e viram que era tarde demais. Com determinação para perseguir a moça, Kaninchen pegou um cartucho, colocou no revólver com silenciador que estava em seu bolso e saiu correndo atrás de Lin, batendo a porta atrás de si.

A perseguição não durou muito. Apesar da chinesa ter tido alguns segundos de vantagem, ela não tinha tantas esperanças de conseguir chegar à confeitaria. No entanto, se ela pudesse fazer com que os outros soubessem quem era Kaninchen, iria, certamente, estragar o plano dos atrozes homicidas.

Quando a distância que a separava da confeitaria era de, aproximadamente, duas quadras e Kaninchen corria dez metros atrás, Lin ouviu a melodia. Era um som reconfortante, mas nebuloso, tal qual Johann havia notado em seu sonho, e que só ela podia ouvir.

Depois de escutar a sinfonia tantas vezes, ela já sabia o que significava: alguém estava prestes a morrer. E, tinha certeza, seria ela.

Pela primeira vez, Lin agradeceu o dom que havia recebido logo que chegou àquela cidade de saber que uma morte ocorreria, segundos antes de acontecer.

Lin Tseng, então, gritou a identidade de quem a perseguia. Gritou novamente o verdadeiro nome de Kaninchen, contudo seu desespero impediu que sua voz ressoasse alto suficiente para que alguém pudesse ouvir.

E antes que ela pudesse dar seu terceiro grito, foi impedida pelo disparo de cinco tiros.

Sem fôlego e não podendo mais suportar a dor dos ferimentos, Lin caiu no meio da rua.

Apesar de ela saber falar o idioma dos habitantes de Scacci, nenhuma palavra ia ser pronunciada mais pela chinesa.

Lin Tseng estava morta.

* * *

À morte de Lin, as peças da estátua que representava um tabuleiro de xadrez se moveram.

E mais uma peça saiu do jogo. Era uma torre. Preta.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 25 de novembro

3 comentários:

Jotacarlos. disse...

A sinopse de seu conto me parece interessante. A partir de amanha darei sequencia cronologicamente partindo do início e deixarei comentários.

um abraço.

Tifon disse...

Adoro este blog. Tem sempre algo...inesperado.

Voltarei... ;)

Luiz Fernando Teodosio disse...

Esse cara gosta de torturar. Mas que droga! Será que ninguém consegue deixar um recado sobre a identidade dele?
Capítulo bom, esse!