quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Capítulo 41 – O Fim

"A última cena é sempre trágica, pouco importa quão felizes tenham sido as outras: um pouco de terra é jogada por cima de nossa cabeça e é o fim para todo o sempre."

(Blaise Pascal)

* * *

Assim que o sol nasceu naquela manhã, Samantha já havia se levantado. Não demorou para notar o sumiço de Jacques, mas não teve tempo para chorá-lo: tinha que sair o mais depressa possível de perto de Gary e Davis.

Um dos dois, ela sabia, estava jogando a partida de xadrez e estava destroçando a vida de dezenas de pessoas em troca de sua própria. Desde o começo, um por um foram desaparecendo. Ian, o bispo Di Ravenna, Lisa, Melina, Luis Filipe, Nicholas, Johann, Lin, Jacqueline, Joanne, Anthony, Susan, Edwin e agora Jacques.

E a mesma coisa se sucedia com o outro grupo. E os reis, branco e perto, riam em seus tronos enquanto comiam friamente cada peça do jogo.

Há mais de duas semanas, quando Samantha se deitara em sua cama em Scacci imaginando o quão desastroso havia sido seu encontro, não imaginou que sua vida mudaria drástica e mortalmente a partir daquele dia.

Agora ela corria. Fugia do desconhecido, de um homem de quem não sabia a identidade, porém poderia estar prestes a descobrir.

Era bem cedo e a arqueóloga ia desesperadamente em direção à casa que uma mulher argentina queimara dias antes. Samantha ainda segurava nas mãos um bilhete todo amassado que continha a caligrafia de Jacques: “Assim que ler isso, vá à casa em que Melina morreu. Creio que lhe será útil.”

Foi a última coisa que o francês escreveu. Depois de rabiscar em lousas e cadernos tantas fórmulas, números e teorias, seu escrito final fora um aviso para Samantha. E isso lhe dava forças para prosseguir porque demonstrava que, no fim de sua vida, o físico acreditara nela.

A moça não tinha idéia de o quê iria encontrar lá ou de quando o velho francês havia escrito o bilhete, contudo não se preocupava pois essa poderia ser sua última chance de sobreviver.

Nenhum outro pensamento parecia lhe vir a cabeça, toda sua mente estava direcionada para um só objetivo: alcançar a casa de Melina.

Quando chegou ao local, mal se agüentava em pé. Tampouco sabia por que havia se apressado tanto, já que, aparentemente, ninguém a estava seguindo. Porém, não se importava. Abrindo a porta da casa abarrotada de cinzas, Samantha não viu nada que a ajudasse.

Somente quando a moça fechou a porta é que uma luz no fim do túnel se acendeu. No momento em que ela viu de soslaio algo brilhando na cozinha, se apressou até o cômodo.

Estancou-se em frente à parede descascada e vislumbrou uma frase escrita com uma fraca tinta verde. Dizia: “O assassino é...”, e o resto havia sido retirado por Kaninchen. Todavia, ainda se podia ver um pequeno pedaço da identidade do homicida. A última letra. E quando Samantha distinguiu qual era, soube o nome verdadeiro de Kaninchen e seu coração deu um salto.

Olhou novamente. De súbito, entendeu o erro do assassino: a tinta só era visível no escuro. Provavelmente, quando Kan chegara a casa o incêndio já havia começado e o fogo clareava grande parte da frase, deixando boa parte da mensagem invisível. Entretanto, parte de seu nome devia estar mais fracamente iluminado e, por isso, era aparente. Ela não precisou procurar muito para achar uma caneta verde especialmente para a escuridão jogada em um canto.

Lembrava-se vagamente de Melina ter lhe dito que estava com uma caneta desse tipo no bolso na noite em que fora transportada de Scacci. No entanto, não podia ter certeza pois sua mente teimava em não funcionar, voltava suas atenções no ato de correr, fugir e escapar da morte.

Em sua concepção, Melina haver trazido a caneta não podia ser coincidência. Samantha imaginava que seria uma chance a mais que o destino lhe dava. Sabia quem era o assassino e iria tentar sair da cidade sozinha.

Agora que ela sabia de tudo, parecia ser mais fácil de escapar, porém era tarde demais.

Logo que Samantha saiu da casa chamuscada, Kaninchen a estava esperando escondido no lado de fora. Quando a arqueóloga começou a correr, sem perceber que havia um homem a observando, ele saiu de seu esconderijo e em poucos passos a alcançou.

Samantha, então, sentiu seu corpo ser puxado para trás pela garganta e sentiu algo cortando seu pescoço. Kaninchen passara uma linha cortante sobre sua cabeça e agora a puxava para si, enforcando-a, sufocando-a, tirando-lhe a vida.

Ela tentava gritar e se libertar, mas era inútil. Estava lutando contra a morte.

A moça conseguiu se virar o suficiente para encarar os olhos do seu assassino e viu, por fim, a frieza que havia neles. Pouco a pouco ela ia se sentindo cada vez mais livre, sua mente agora não se relutava mais a nada e milhares de pensamentos e lembranças passaram diante de seus olhos.

E, de repente, tudo pareceu parar. O tempo esperou enquanto o coração de Samantha batia pela última vez e ela caia de joelhos da rua. Sem oxigênio. Sem vida.

Estava tudo acabado para ela.

Kaninchen nem se deu ao trabalho de enterrá-la: o corpo de Samantha permaneceu ali, sobre os ásperos paralelepípedos, seus olhos revirados e seu longo cabelo cobrindo como uma cortina seu rosto sem expressão.

* * *

Um bispo. Era a única peça que restava para Kaninchen atingir seu objetivo. Após dias e dias matando pessoas a sangue frio, lhe restava somente um.

Acabaria com toda a farsa e mataria o outro de uma vez, ou jogaria com ele também? Decidiu-se pela segunda alternativa. Já até havia preparado a armadilha, não seria sensato desistir agora.

Mudou então seu percurso e seguiu para a casa de Wert.

- Que faz aqui? - questionou ela quando Kaninchen adentrou pela porta.

- Samantha já se foi. Falta o outro, e quero brincar com ele.

- Por que não acaba com tudo isso de uma vez? Dê um tiro e tudo estará terminado!

- Poderia ter feito isso com todos, no entanto, isso é um jogo. E eu quero me divertir.

Dito isso, Kaninchen pegou sua arma e saiu.

Kan não precisou nem ao menos ir ao abrigo em que o outro dormira para se encontrarem: este estivera tentando sair da cidade e Kaninchen o avistou perto da praça.

- Então é você! Estava me procurando?

O outro relutou. Não sabia se continuava correndo ou encarava o assassino de uma vez.

- Sou eu o quê?

- Você é o Kaninchen! O assassino...

- Do que está falando? Você é o assassino, seu desgraçado!

Os dois agora se encaravam. Estavam a quatro metros de distância.

- Você é o carrasco nessa cidade!

- Pare com isso, pare com esse joguinho. Sabe que matou todos os outros!

Davis e Gary ofegavam.

- Você é o Kaninchen! – acusou Davis.

- Eu? Como se atreve...? – começou Gary.

- Mas que idiotice é essa, hein?! Quer me matar também, assim como matou Samantha, não quer?

- Chega, não vou mais suportar isso! Você tirou a Jacqueline de mim e...

- Gary - falou o advogado - você tirou a Jackie de você mesmo. Você a matou porque ela era somente uma diversão e, depois de um tempo, você se cansou.

- Mentira!

E quando Gary sacou seu revólver, Davis fez o mesmo.

O rosto de Kaninchen se irradiou: havia deixado uma arma sem munição próximo a cama de seu adversário, pois já previra essa reação. Tudo estava meticulosamente planejado.

Uma das armas estava cheia de balas e na outra não havia nenhuma.

Aos poucos, Davis começou a se afastar do outro. Gary continuava com sua arma em punho.

- Não fuja! – gritou.

Agora, a distância entre eles era bem maior: estavam afastados por vários metros. Mesmo assim, ninguém correu. Os dois precisavam cumprir seus objetivos, sua missão.

E, como se houvesse sido combinado, ao mesmo tempo eles apertaram o gatilho. Ouviu-se um tiro, somente um.

Silêncio momentâneo. Um deles caiu. Davis.

Assim que viu o outro caído, Gary ficou sem reação.

Em um segundo, reviu toda sua vida. Lembrou-se da sua infância, da morte de seu pai, da doença de sua mãe, de quando seu tio o levara para morar com ele em uma casa no litoral, do dia em que decidiu ser oceanógrafo, de quando sua mulher o abandonara...

Toda sua dor desapareceu. Não precisava mais se preocupar com o tabuleiro, pois tudo estava acabado. A peça se encerrara e a platéia aplaudia enquanto o acortinado vermelho se fechava.

De repente, um gancho o trouxe de volta para a realidade: Gary sentiu uma dor latejando em seu corpo e tomando conta de sua capacidade de resistir.

E, quando não agüentou mais, Gary caiu de cara no chão.

Era o fim.


(Continua...)

Penúltimo capítulo: Domingo, 13 de janeiro


Um comentário:

Luiz Fernando Teodosio disse...

Vou ler o prox cap. Era obvio que era o Gary.