segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Capítulo 40 - A Queda da Bastilha

Jacques riu. Era um Jacques trinta e poucos anos mais novo e nem sequer havia deixado Chaumont.
- Muito bem... vou levar uns cinco livros sobre pescaria, então.
A vendedora de livros se irradiou, divida entre felicidade e embaraço.
- O que acha da gente sair para jantar qualquer dia desses? – sugeriu o homem. - Você sabe, para conversarmos sobre livros.
Christine ergueu as sobrancelhas.
- Faz cinco minutos que te conheço e já esta me convidando para sair?
Jacques ficou calado por um tempo e, subitamente, saiu da livraria, deixando a vendedora estupefata e sem reação.
Cinco minutos depois, ele adentrou o local novamente e se postou em frente a Christine, dizendo:
- Pronto, já faz dez minutos que nos conhecemos. É o suficiente?
Ela riu. Jacques não esperou uma reposta.
- Na sexta-feira, às sete horas?
A vendedora concordou e, três dias depois, estavam jantando em um belo e rústico restaurante. Não havia iluminação elétrica, somente candelabros e lustres de vela pendendo do teto.
- Gosta daqui? - indagou Christine, que havia trocado o uniforme azul da livraria por um belo vestido laranja com detalhes floridos.
Jacques, que estava sentado em frente, galanteou:
- Gosto da sua companhia.
Ela corou e tentou desviar do assunto:
- O que faz? No que trabalha?
- Bem, eu sou físico. Minha profissão é estudar as leis do universo.
- Como um matemático ou é mais parecido com um astrônomo? - perguntou.
- Nenhum dos dois. Um matemático faz acrobacias com números e um astrônomo tenta enxergar um limite para o universo. Já o físico usa os números para quebrar as fronteiras e limites do espaço. Entendeu?
- Para falar a verdade, não muito - disse, confusa.
- Se quiser, posso te explicar melhor. Mas somente na próxima vez em que nos encontrarmos.
- Ora, mal começou o primeiro encontro e já esta pensando em um segundo?!
O físico sorriu:
- Tenho certeza que haverá mais um e que muitos outros se seguirão a esse.
- E o que te faz ter essa certeza?
- Posso até te dizer, - respondeu Jacques - mas só no segundo encontro!

* * *


Anos mais tarde, em uma pequena e curiosa cidade, Adam foi enterrado. Davis e Gary depositavam seu corpo no buraco que haviam cavado, enquanto Jacques e Samantha analisavam com curiosidade a estátua. Cinco é o numero de peças que restavam. Das pretas, somente um rei; das brancas, o rei, a rainha e dois bispos.
O físico observou que o bispo Di Ravenna era representado por um peão e não um bispo como era de se esperar. Depois complementou dizendo que rainha não era necessariamente uma mulher e nem o rei era obrigatoriamente um homem.
Samantha se sentiu um tanto incomodada com o comentário. Qualquer insinuação a respeito de Kaninchen ser uma mulher a irritava. Afinal, ela era a única que restara entre os quatro.
No entanto, ninguém mais tinha plena confiança na arqueóloga. Agora era cada um por si e confiar em alguém poderia ser um erro irreparável. Eles se olhavam com olhares de desconfiança e não conseguiam mais manter um clima de amizade.
- Não há outra explicação. A peça de Adam foi comida, sim! - afirmou categoricamente o francês.
- Mas como?! Ele se suicidou, não foi morto pelo Kaninchen! - lembrou Samantha, como se a visão do punhal enterrado no peito de Adam tivesse desaparecido da memória deles.
- Veja aqui - Jacques falou, indicando o rei claro e, em seguida, algumas casas do tabuleiro. - E aqui. Se ele era um bispo, podia se mover nessa diagonal e, assim, o rei poderia comê-lo quando estivesse bem aqui.
- Eu sei, eu sei. Acontece que ele não foi assassinado! Não deveria ter sido retirado do jogo pelo rei.
Gary, ainda com as mãos sujas de terra, se aproximou dos dois.
- Acho que vocês estão sendo objetivos demais. É só uma sugestão, mas acho que deveriam levar mais para o lado simbólico e emocional...
Jacques se chocou ao ver o outro falando sobre emoção:
- O que quer dizer?
- Quero dizer que, teoricamente, ele se suicidou. Mas há uma razão para ele ter feito isso?
- Para que Kaninchen não o pegasse - respondeu Davis, se reunindo com os demais.
- Exatamente. Estava fugindo de Kaninchen.
- Ainda não entendi - afirmou o físico.
- Ora, é simples - desdenhou Gary. - Se o cara se matou para fugir do outro, é como se Kaninchen o tivesse induzido a cometer suicídio.
- É como... se Kan o tivesse matado? - perguntou Samantha.
- Eu diria - riu Gary sozinho - que o Kaninchen “suicidou” o tal Adam.
A volta para a casa bege foi mais difícil do que eles imaginavam. Nenhum deles queria andar na frente, com medo de que fosse atacado pelas costas. Além disso, as conversas eram bastante limitadas, já que os suspeitos de cada um agora eram três. Uma incômoda e crescente falta de confiança passou a rondá-los.
Quando o sol se pôs e as estrelas surgiram, todos os quatro ficaram acordados por um bom tempo. Três deles temiam ser a vítima daquela noite e, por isso, deixavam seus olhos atentos ao redor, até não aguentarem mais de sono.
Passava de meia-noite quando Jacques se levantou de seu leito improvisado e caminhou pesaroso até a cama de um outro alguém.
Ainda com a luz apagada, o físico sacudiu levemente a pessoa e chamou-a pelo nome.
- Que foi, Jacques - perguntou Kaninchen, se levantando.
- Eu preciso que me leve à sua casa. Preciso que me leve até Wert.
Kan ficou durante um tempo boquiaberto, sem saber o que responder. Até poderia negar sua identidade, porém algo lhe dizia que iria ser em vão. Percebendo que não adiantaria mais fingir, pegou uma arma de debaixo do colchão e seguiu com o físico até a porta. Sentia que não havia outra escolha: se Jacques contasse para mais alguém sua identidade, teria que matar todos os três ao mesmo tempo e isso poderia ser muito arriscado, principalmente agora no fim do jogo. E eles saíram da casa tão silenciosamente que nenhum dos outros dois percebeu.
Quando receberam o vento gélido da noite em seus rostos, Jacques e Kaninchen começaram a caminhar em direção à casa de Wert.
- Como soube? - questionou Kaninchen no meio do caminho.
- Eu te observei durante muito tempo. Tinhas minhas suspeitas de que fosse você. Então, pouco antes da confeitaria explodir, quando Adam nos gritou, eu vi quando se desviou em direção ao banheiro para prender Nicole antes de sair de lá. Não sabia por que havia feito isso, mas agora eu sei. Sei também por que você pegou uma corda da dispensa da confeitaria na madrugada em que Nicholas foi morto...
- Basta! - ordenou Kaninchen. Estava nervoso por ter fracassado em planejar esses detalhes. - E por que não contou aos outros sobre isso?
- Medo. Medo de que estivesse errado e acabasse piorando as coisas...
- E para quê quer ver Wert?
- Na verdade, preciso falar com vocês dois. Como Wert é quem mais conhece o jogo, precisa estar presente.
- Então, Jacques, seu plano é conversar pacificamente com dois assassinos? Não tem medo de morrer?
- Veja, eu acredito que todos nós temos uma trajetória para seguir na vida. Eu já tive minha infância, já estudei, fiz duas universidades, iniciei minha carreira como físico, fiz descobertas que me consagraram, casei, optei por não ter filhos e, hoje, com 63 anos, creio que já cumpri minha missão.
“Quando minha hora chegar, seja quando for, estarei pronto.”
- É, são muito poéticas suas palavras, porém tenho certeza de que elas mudarão sob a mira de uma arma.
Não disseram mais nada até chegarem ao seu destino.
Kaninchen nem seu deu ao trabalho de bater na porta da casa: girou o trinco e adentrou berrando “Wert, venha cá!”.
Assim que Wert apareceu no pé da escada, se espantou ao ver que tinha duas visitas.
- Kani.... - disse com a voz sonolenta - O que está havendo?
- Ele descobriu quem eu era - respondeu. - Disse que quer conversar conosco. Foi melhor trazê-lo aqui.
Jacques, que estava sentado na mesma cadeira em que tantos haviam sangrado até morrer, falou sem demonstrar medo.
- Wert, eu tenho uma proposta para vocês.
Os outros dois se entreolharam.
“Podem fazer o que quiserem comigo, desde que deixem os outros saírem da cidade.”
Kaninchen e Wert riram.
- Não é assim que funciona, francês. O tabuleiro não deixa ninguém ir embora da cidade até que esteja terminado.
- Esteja terminado? - Jacques repetiu.
- Sim, até que o jogo tenha acabado, quando no tabuleiro restar uma peça só.
- Será impossível. Os dois reis representam uma única pessoa. O jogo nunca terminará?
Kaninchen olhou fixamente para ele. Essa questão também já o preocupara uma vez.
- O tabuleiro sabe o que faz - retrucou.
- Pode até ser, porém lembre-se do que o irmão de Wert dizia: o tabuleiro não perdoa!
- Ora, cale-se! - ordenou Kaninchen. - Cometeu um grande erro em vir ate aqui, morrerá antes do que deveria.
- Quanto? Um dia antes? Dois dias? Que diferença fará para um velho de tantos e tantos anos como eu? Meu verdadeiro erro foi ter comprado uma passagem para Lisboa cerca de quinze dias atrás.
- Para mim chega... Kani, tem uma arma contigo? - Wert virou-se para Kaninchen.
- Claro.
- O que está esperando, então? Dê logo um tiro neste impertinente!
Contudo, quando Kaninchen levantou o braço que segurava a pistola, Jacques interveio:
- Como vou morrer em breve, creio que não há problema em vocês me esclarecerem dúvidas que muito me atormentam.
Wert, mesmo estando ansiosa para que Jacques morresse logo, antes que algo desse errado, não fez imposição. Não entendia de que iria adiantar a ele ter suas perguntas respondidas, porém permitiu que o físico prosseguisse.
“Bem, a primeira dúvida me surgiu quando Melina foi morta. Na casa em que foi queimada, havia uma parte da parede descascada. Por quê?”
Kaninchen relutou um pouco, porém disse por fim:
- Fui eu quem descasquei. Quando cheguei a casa em que a argentina havia ateado fogo vi que havia algo escrito na parede. Era pouco visível, mas, mesmo assim, achei conveniente arrancar uma parte da parede onde, aparentemente, havia meu nome escrito. Como sabia que não tinha muito tempo, pois se me demorasse mais notariam minha falta, fiz tudo às pressas.
- É, foi o que pensei - suspirou Jacques. - Me recordo também de uma vez em que Susan descobriu que a peças de xadrez correspondiam ao nosso grupo e concluímos que as três peças brancas desaparecidas eram Iam, o bispo e Lisa, e a peça preta que não estava mais lá era Willard. Como isso podia ser possível se Willard não fazia parte do grupo das peças negras?
- Ora francês, basta pensar um pouco. A primeira peça preta comida não era Willard, era um tal de Marcel, que pertencia ao outro grupo!
- Bem, agora, uma última questão e a que mais em intriga: por que o codinome de “coelho”?
- Ah, francês - sorriu Wert, sarcástica - Isso, infelizmente, você vai morrer sem jamais saber a resposta!
Jacques se levantou da cadeira, assustado.
- Não, por favor! Não me mate sem antes me prometer que não machucará os outros! Kan, considere minha proposta. Pode me torturar se quiser, mas não os mate, por favor!
Kaninchen mirou os olhos claros e suplicantes do físico francês enquanto encaixava o dedo no gatilho. Agora que estava tão perto de seu objetivo, não iria fraquejar.
E, com somente um tiro certeiro na cabeça, Jacques Chevalier perdeu a vida.


(Continua...)

Próximo capítulo: Quarta-feira, 09 de janeiro

Um comentário:

Luiz Fernando Teodosio disse...

Davis é um personagem principal, não deve ser ele. Gary ou Samanatha?
O que o frances foi fazer? Essas pessoas morrem de bobeira.