domingo, 28 de outubro de 2007

Capítulo 23 - Identidade, parte II

Nos capítulos anteriores...

Assim que aquelas treze pessoas descobriram que quem havia assassinado os outros e usava o cognome Kaninchen estava entre eles, resolveram que cada um falaria um pouco mais de sua vida. Assim, talvez eles pudessem determinar qual deles era homicida. Quem começou falando sobre si foi o físico Jacques, seguido pelo ex-policial Nicholas, a estudante Joanne, a modelo Jacqueline, o piloto Luis Filipe, o saxofonista Johann e a arqueóloga Samantha. Surpreendente, a última pessoa que eles esperavam que fosse se dispor a dizer algo, o fez. Foi Gary. E todos prestaram atenção quando ele começou a falar.



Vinte e sete anos. Foi assim, contando sua idade, que Gary Olsen começou a sua narrativa. Estava meio receoso, freqüentemente parecia querer recuar e, por isso, não revelou muito de sua vida; mesmo assim, naquela noite, as doze pessoas que ouviam Gary tiveram a oportunidade de conhecer um pouco melhor aquele homem de cabelos pretos e rancorosos olhos azuis. Após dizer quantos anos tinha, o professor de Oceanografia falou de sua profissão.

Discorreu sobre como exercia seu ofício em duas faculdades e sobre sua admiração da vida marinha. Ao citar esse assunto, Gary parecia querer mostrar a todos sua paixão pelo ecossistema oceânico, porém alguma coisa o impedia. Ele insistia em manter sua aparência de insensível o quanto pudesse, era como se algo o obrigasse a isso. No entanto, controlar suas emoções se tornou ainda mais complicado quando ele falou sobre sua vida sentimental. E, para a surpresa de todos, Gary revelou que já havia se casado. Diante do sobressalto dos outros, ele ficou um tanto quanto desconfortável e preferiu não dizer mais nada sobre isso, calando-se.

Susan, então, se ofereceu para ser a próxima. A bela moça tinha cabelos loiros e curtos, e era três anos mais nova que Gary, e tinha os olhos da mesma cor que ele. Susan Taylor começou falando de sua ocupação como repórter e de sua faculdade de jornalismo. Disse também que fora a faculdade que a fizera se mudar de uma pequena cidade do interior para a grande metrópole Scacci. Oito meses atrás, ela havia sido abandonada pelo noivo e, desde então, não havia mais se envolvido em relacionamento algum e contava apenas com a presença de Zine, seu cachorro beagle.

Quando citou o cachorro, Susan começou a lacrimejar de saudades, Anthony então achou que era melhor ela não continuar e começou a falar sobre si mesmo.

Anthony Prescott era um homem de somente 26 anos, contudo aparentava muito mais. Talvez por ser gerente de uma empresa de produtos tecnológicos ou, talvez, por ter criado responsabilidade prematuramente, devido ao fato de ser órfão. O fato é que, mesmo sempre querendo ser mergulhador profissional, Anthony cursou administração de empresas e marketing e hoje também entende um pouco de engenharia mecânica. Abandonado pelos pais assim que nasceu, ele foi criado com os tios e os dois primos. Quando tinha sete anos de idade, os pais de Anthony morreram e ele se tornou uma criança cada vez mais austera. Provavelmente pela sua personalidade, foi tão bem sucedido no ramo empresarial.

Vendo que Anthony havia acabado, Davis se dispôs a dar seguimento à reunião. Davis Blame iniciou falando a respeito de sua infância. Nativo de Scacci, ele era filho de um promotor e uma fotógrafa, e sempre foi fascinado pela profissão de seu pai. Aos 17 anos entrou na faculdade de Direito e hoje, com a mesma idade de Anthony, já prestava seu serviço como advogado. Seu maior desejo, entretanto, era se tornar juiz, mas para isso é necessário que ele tenha três anos de atividade jurídica e preste concurso público para o cargo. Davis, por fim, compartilhou com todos que gostaria muito de poder voltar a Scacci.

Agora os únicos que faltavam falar eram Edwin e Lin. Como seria complicado para a chinesa contar sobre a sua vida e vendo que não tinha escolha, Edwin começou a falar.

Sobre a parte profissional da vida dele, todos já sabiam: após servir o exército por seis anos, Edwin havia feito faculdade de Arquitetura e atualmente era arquiteto. O que ninguém imaginava sobre aquele homem quase calvo, de olhos verdes e 48 anos, é que ele havia sido casado duas vezes e havia acabado de se divorciar.

Além disso, o inglês nascido em Londres havia perdido a mãe no ano passado e seu pai também estava prestes a deixar esta vida, por conta de um grave problema cardíaco. Sua infância fora um pouco difícil, fazendo com que Edwin sempre tivesse que batalhar pelo o que queria, o que o ajudou na decisão de entrar para as Forças Armadas.

Quando um amigo seu o contratou para um projeto em Scacci, cidade onde morava o pai de Edwin, o arquiteto viu aí uma oportunidade de ficar próximo de seu pai e, ao mesmo tempo, exercer sua profissão.

Infelizmente, a construção que Edwin estava coordenando ainda estava no começo quando o destino deu a ele uma viagem àquela cidade bastante misteriosa e ameaçadora também.

Assim que o arquiteto se silenciou, todos ficaram sem saber o que fariam agora. A única pessoa que faltava falar era Lin Tseng, a chinesa de dezenove anos que aparentemente não sabia falar outra coisa senão seu nome, sua idade, e o nome dos outros doze (exceto o de Gary, a quem ela chamava de “Cala Boca Gary” - de tanto ouvir os outros dizerem isso - e ninguém ousava corrigi-la).

Ninguém sabia nada sobre ela e, ao que parecia, também não descobririam naquela noite.

Lin olhava de um para outro, sabendo que era só ela quem não tinha dito nada a seu próprio respeito, todavia a moça também não sabia como ajudar. Enfim, vendo que não havia outra solução, todos se contentaram com os depoimentos dados e assentiram em ir dormir.

* * *

Após verificar se todos os outros dormiam, Luis Filipe se levantou e se dirigiu à saída da confeitaria. Sabia que era arriscado ficar do lado de fora do estabelecimento durante a madrugada, no entanto, Luis sabia se defender e se ouvisse alguém abrindo a porta já atacaria quem fosse.

Ele então saiu pela porta e se sentou na calçada bem em frente. Nessa noite em que teve que contar suas memórias, seu passado veio fortemente em sua cabeça como nunca tinha acontecido desde chegara ali.

Passados alguns minutos, estando Luis perdido em suas lembranças, a porta da confeitaria se abriu. Imediatamente, o piloto levantou-se e se colocou em posição ameaçadora, prestes a se defender.

Entretanto, quando viu quem era, acalmou-se e se sentou ao lado da pessoa na calçada. Luis não confiava totalmente na pessoa ao seu lado, mas tinha algumas perguntas a lhe fazer e era melhor que fosse agora. Para o infortúnio de Luis, porém, ele estava realmente conversando com Kaninchen.

- Eu... eu preciso falar com você. - começou o piloto.

- Imaginei que estivesse pensando sobre o que lhe pedi, por isso vim aqui fora.

- Eu até concordo em mentir para os outros sobre isso, mas eu queria pelo menos entender o porquê.

- Infelizmente, Luis, há coisas que não foram feitas para serem entendidas. - disse Kaninchen.

- Mas... mas eu não compreendo! Por que eu não posso dizer para todos que já te conhecia antes?

- É uma questão de privacidade. Não creio que seja necessário eles saberem. Além disso, até pouco tempo atrás você nem tinha me reconhecido. Faça de conta que nunca me viu, e é só isso que lhe peço.

- Bom, se você faz tanta questão, tudo bem. - concordou Luis Filipe.

Kaninchen então revelou um copo cheio pela metade que trazia na mão esquerda e que Luis não havia notado já que a única iluminação que havia era de um apagado luar.

- Beba. - ordenou Kan, entregando-lhe o copo. - Garanto que você poderá dormir em paz.

Luis riu.

- E você acha mesmo que eu iria aceitar uma bebida sua, sendo que eu nem sei o que há nesse copo? Saiba que eu não sou ingênuo como você pensa. - disse.

- É uma pena que você não confie em mim, Luis. Parece que é uma ótima hora para nos divertimos, então.

Após essas palavras, Kaninchen pegou outro copo cheio pela metade que também havia trazido e deixado ao seu lado.

- A brincadeira é a seguinte - falou Kan. - Aqui eu tenho dois copos, um com água e o outro com algo diluído também em água que você certamente não apreciaria beber. Eu vou deixar você escolher qual dos dois cada um de nós tomará e ambos beberão seu líquido ao mesmo tempo.

Mesmo na escuridão, Kaninchen podia ver que Luis ficava cada vez mais assuntado. No entanto, continuou a falar como se estivesse sugerindo algo perfeitamente normal:

- Se você escolher para você o copo com água, eu acabarei tendo que tomar o outro líquido e em poucos segundos morrerei. Se isso acontecer, todas as pessoas que estão lá dentro na confeitaria permanecerão vivas e não terão mais que se preocupar comigo.

Agora, se eu acabar ficando com o copo com água, terei o prazer de assistir Luis Filipe Torres morrer de uma forma bem dolorosa...

O piloto titubeou um pouco antes de perguntar:

- E se eu não aceitar sua proposta?

- Daí eu serei obrigado a cravar dez balas no seu peito com a pistola que está aqui no meu bolso. - disse, sacando sua arma e apontando para as costas do outro.

Impulsionado pelo medo e pela esperança de poder salvar onze pessoas, Luis Filipe aceitou a proposta de Kaninchen e pediu que ele lhe mostrasse os dois copos. Foi quando ele percebeu que os dois líquidos pareciam iguais e que sua vida dependia totalmente de sua sorte.

Após pensar um pouco, Luis apontou o copo na mão direita de Kan.

- Esse.

Sem demonstrar nenhuma expressão, Kaninchen levou o copo em sua mão esquerda à boca e se preparou para beber.

Luis Filipe fez o mesmo com o copo que agora estava em sua mão.

- Agora. - proferiu Kaninchen.

E os dois colocaram o líquido garganta abaixo.

Em um primeiro segundo, nada aconteceu e os dois continuaram impassíveis.

No segundo seguinte, porém, Luis Filipe começou a se contorcer e, momentos depois, caiu morto na calçada.

Sorrindo, Kaninchen se levantou e entrou novamente na confeitaria, enquanto, do lado de fora, o ácido sulfúrico terminava por corroer o corpo do piloto.

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 04 de novembro

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