domingo, 2 de dezembro de 2007

Capítulo 31 - A Primeira Missão

Naquela mesma noite, logo que retornou à confeitaria, Kaninchen deitou-se e tentou adormecer.

Dez minutos depois, porém, acordou no começo de seu leve sono, sobressaltado com um grito.

Assim que correu até de onde imaginava ter vindo a som, notou que todos os outros já haviam feito o mesmo. Sete pessoas se aglomeraram em torno de uma Joanne em prantos.

- Minha irmã, ela sumiu! - era sua única fala.

De fato, quando procuraram Jacqueline pela confeitaria perceberam que sua irmã estava certa.

Aparentemente lamentando a situação de Joanne e querendo evitar que mais desaparecimentos ocorressem tão descaradamente, Anthony propôs que todos se reunissem naquele instante.

- Mas agora não adianta mais - lamentou Jacques. - Kaninchen só vai atacar novamente amanhã.

- Mesmo assim! - exclamou Anthony. - É melhor tomarmos uma atitude imediata.

Quando estavam os oito juntos, em círculo, no maior espaço livre do estabelecimento, Davis pôde observar Gary. Ficara curioso em saber como ele iria demonstrar a perda de sua amante. De fato, o rosto de Gary parecia mais abatido que o normal, no entanto ele nada falou e nenhuma lágrima sequer foi derramada daqueles olhos rancorosos.

- O que propõe? - questionou Edwin.

- Que fiquemos todos aqui e impeçamos que Kaninchen aja.

- Eu concordo com Anthony - disse Davis. - Se há um meio de o pegarmos é se mais de uma pessoa ficar vigiando a todos.

Todos concordaram de imediato, exceto Susan.

- Mas esperem, nós precisamos dormir, não dá para ficarmos os oito de vigia!

- Acho que somente quatro de uma vez bastam - afirmou Davis.

E como uma forma de cavalheirismo ou talvez por se julgarem mais capazes, quatro dos homens ficaram de tocaia naquela noite; Anthony, Jacques, Davis e Edwin.

As três moças se sentiam meio incomodadas de precisarem dormir em círculos, sem terem muito espaço para se mexer, porém não havia outra solução.

A primeira que assentiu com o plano foi Joanne. Desde que chegara naquela cidade a jovem de 18 anos havia amadurecido muito, mas mesmo assim ainda se sentia dependente da irmã e sabia que esta também precisava dela. E agora que Jacqueline podia estar morta, Joanne sentia que não conseguiria mais sobreviver naquela cidade.

O silêncio que enchia o ar era como um apelo para que ela pudesse relembrar nitidamente dos melhores momentos em que havia estado com Jacqueline.

Quando já se sentia sonolenta, sua memória, de repente, a engolfou em suas lembranças.

E ela adormeceu.

* * *

Jacqueline estava deitada de bruços na cama de seu quarto, um ano atrás. Sua mãe batia freneticamente na porta.

- Minha filha, abra essa porta, por favor! Você não pode continuar assim...

Porém, a moça continuava impassível às chamadas. A única coisa que queria era ficar agarrada em seu travesseiro e deixar que as lágrimas escorressem por ele.

Ela não conseguiria superar aquilo, sabia que sofreria para o resto da vida.

De súbito, a voz que a gritava mudou.

- Jackie, sou eu, Joanne.

Então, uma raiva incontrolável vinda de algum lugar não distante apossou-se de Jacqueline.

- SAI, VAI EMBORA! - berrou.

- Jacqueline, por favor...

- JÁ FALEI PRA VOCÊ SAIR! ME DEIXA, MENINA!

O choro da moça se intensificou.

- Não fale assim com a sua irmã! - repreendeu a mãe.

Jacqueline ficou calada. Somente olhava para o nada, sentindo ódio de sua irmã e desejando que ela estivesse longe, muito longe agora.

Assim que a mãe das duas se afastou, um clique anunciou que Joanne havia girado uma chave na fechadura. A porta se abriu.

Jacqueline estava virada de costas para a porta, por isso não precisou encarar a irmã, que fechava a porta cuidadosamente.

- Eu tenho uma cópia da chave - ela disse. - Mas não queria que mamãe soubesse. Ela não te entende, e nós precisamos conversar a sós.

- Cai fora, me deixa em paz, Joanne!

- Jackie, você não entende! - disse, acomodando-se na beirada da cama. Isso fez com que a irmã se virasse para ela. - Não é nada disso que você está pens...

- CALA A SUA MALDITA BOCA! - explodiu Jacqueline. - É exatamente o que eu estou pensando! Você pensa que eu não vi você e o Ethan?

Joanne manteve a calma:

- Eu sei o que você viu, só que você interpretou errado...

- Ah, e tinha alguma coisa para interpretar, por acaso? Eu vi, Joanne, EU VI! Estavam você o Ethan na joalheria, brincando de amantes! E você ainda deixava que ele colocasse os anéis em você!

As palavras que Jacqueline proferia, cada vez mais chocavam sua irmã, contudo não a abalavam o suficiente para não continuar sua explicação.

- Jackie, nós não somos amantes. Eu nunca te trairia, e nem ele! Por acaso você sabe que dia é hoje?

A resposta saiu da boca de Jacqueline imediatamente: estivera acompanhando o passar dos dias ansiosa naquela última semana.

- Claro, dia 27. Amanhã é meu aniversário, lembra?

- Lógico. E é exatamente isso: o que nós estávamos comprando na joalheria era um presente...

- Óbvio que era um presente! Você acha qu...

- Pra você - Joanne completou, interrompendo a irmã.

Jaqueline se calou momentaneamente; a realidade lhe atingira como um baque.

- O quê? - perguntou.

- É isso mesmo. Por acaso, já que você observou tantas coisas, reparou de que cor era a pedra do anel? - Joanne indagou, aliviada que Jacqueline tivesse parado de gritar.

A irmã negou com a cabeça.

- Pois então, era vermelha - continuou. - Vermelha, sua cor favorita, Jackie. O que aconteceu é que Ethan queria lhe dar um lindo presente de aniversário, mas não sabia o quê. Ele me pediu, então, que lhe ajudasse a escolher e eu disse que você certamente apreciaria um anel. Nós fomos então à joalheria e, como o dedo de nós duas é parecido, eu o deixei experimentar os anéis em mim. Foi só.

Um presente de aniversário para ela? Jaqueline ficou parada, esperando que a outra dissesse que ela havia realmente tido um romance com Ethan, porque assim seu embaraço seria menor. Todavia, Joanne somente continuou encarando-a e, sabendo que não ouviria um pedido de perdão, levantou-se da cama e se dirigiu à porta.

Antes que ela saísse, Jacqueline gaguejou algumas palavras como se pedisse desculpas, e Joanne entendeu. Esta olhou para a irmã e sorriu; um carinhoso e compreensivo sorriso.

* * *

Na manhã seguinte, Joanne acordou pensando na irmã, imaginando se ela ainda estaria viva.

Enquanto isso, a vários metros dali, Jacqueline estava sendo incumbida de sua primeira missão.

- Veja bem, na minha opinião será uma perda de tempo, você fazer isso - admitiu Wert -, mas se Kani insiste...

O pedaço de pano que impedia Jaqueline de falar havia sido retirado, porém a moça se mantinha calada. Naquela noite havia dormido excepcionalmente desconfortável: sentada em uma cadeira e debruçada em uma mesa.

- O que terá que fazer é o seguinte: - continuou Wert - Como bem sabe, Lin Tseng morreu. Antes de Kani atirar nela, porém, a desgraçada conseguiu roubar um objeto daqui. Bom, pelo menos é isso que Kaninchen acha, se é verdade ou não, cabe a você descobrir.

- Que objeto?

- Você saberá quando achá-lo. Ele provavelmente está com a chinesa.

- O que está insinuando? - questionou Jacqueline.

- Ora, você me entendeu! É possível que a oriental estivesse com a coisa na hora em que morreu.

- Não, não estava. Não havia nada nas mãos dela.

- Ah, é? - disse Wert, com um leve tom zombeteiro. - E será que alguém se deu ao trabalho de procurar nos bolsos dela?

Jacqueline não precisou responder, Wert sabia a resposta.

- Pois bem, cabe a você procurá-lo, garota.

- Onde? - espantou-se a modelo, quando a compreensão de sua primeira tarefa tomou conta dela.

- Nos bolsos da oriental, é óbvio!

- Mas ela está enterrada!

Wert riu com vontade.

- Bom, isso já é problema seu! E vá se acostumando, só irá fazer os trabalhos mais desprezíveis.

- E se, por um acaso, eu resolver continuar sentada aqui, nessa cadeira ao invés de desenterrar a menina? - indagou Jaqueline, tentando demonstrar uma coragem que não sentia naquele momento.

- Bom, aí, então, você vai sofrer as conseqüências, sua atrevida! - E ao invés de se mostrar injuriada com a ousadia, Wert permaneceu sorrindo com ironia. - Se resolver conversar com alguém pelo caminho ou chegar mais perto do que deve da confeitaria, seu destino será o mesmo da chinesa, ou ainda pior! E nem ainda tentar se esconder, pois nós a acharemos onde quer que esteja.

Por um segundo, Jacqueline imaginou a si mesma ensangüentada, com os olhos arrancados e largada no meio da rua, como haviam feito com o bispo. Ao pensar na cena, arrepiou-se.

- Agora vá! - completou Wert.

Vendo que não tinha escolha, ela se levantou, revelando suas pernas bambas, e saiu da casa acompanhada pelo olhar de Wert.

Dez minutos depois, Jacqueline estava de frente ao limite de terra sob o qual estava o corpo de Lin.

Olhando incessantemente para os lados, a modelo começou a retirar com as mãos a terra que havia sobre Lin. Era um trabalho árduo para uma mulher como ela, no entanto, Jacqueline não tinha nem para quem protestar. Imaginava que se reclamasse para Wert ou Kaninchen, a solução deles seria dar-lhe um tiro.

Uma hora se passou e o Sol estava cada vez mais alto. Uma fumaça quase imperceptível se desprendia dos blocos que formavam a rua e era carregada pelo plácido vento.

Jacqueline não conseguira retirar muita terra, visto que não dispunha de nada parecido com uma pá, porém, era o suficiente. Como a cova era rasa, já era possível divisar a parte de cima do corpo de Lin Tseng, principalmente seu rosto e suas pernas. Sem demora, Jacqueline enfiou suas mãos na terra e adentrou com repugnância o bolso direito da calça do cadáver. Nada.

Com um resquício de esperança, apalpou então o bolso esquerdo por fora e sentiu alguma coisa, uma sutil proeminência. Quando ela enfiou as mãos sujas de terra no bolso para pegar o objeto, percebeu que era de metal, como uma moeda. Ao retirar o objeto de dentro da calça, percebeu imediatamente o que era: uma chave. Uma pequena e intrigante chave.

Curiosa, Jacqueline colocou o diminuto objeto na palma de sua mão e observou. A idéia de que abria alguma coisa insignificante era improvável para ela; aquela chave, independente de seu tamanho, parecia guardar algo, no mínimo, formidável. Talvez essa teoria fosse só uma suposição sem fundamento, mas mesmo assim ela disse a si mesma “Interessante”, e guardou a chave no seu próprio bolso. Enquanto o fazia, imaginou se Lin teria feito o mesmo gesto momentos antes de morrer.

Começou, então, a depositar terra sobre o corpo freneticamente: queria voltar logo a casa onde foi feita refém. Preferia as ameaças de Wert a um perigo que ela desconhecia e poderia estar espalhado pela cidade, pronto para surpreendê-la a qualquer instante.

Assim que estava na metade do trabalho, Jacqueline ouviu vozes. Três, quatro, cinco, talvez seu grupo inteiro; não sabia dizer quantas pessoas conversavam ao longe.

Relevando a preocupação com quantos eram, o mais rápido que pôde Jacqueline jogou em cima da cova semitampada o monte de terra que restava e espalhou-a com as mãos. As vozes se aproximavam e se tornavam mais nítidas.

Onde Jacqueline se esconderia? Só havia um lugar possível, o único que ela alcançaria antes que fosse avistada. Decidida, ela correu para trás da estátua, desejando intimamente que ninguém a visse.

Ao dar uma espiada pela lateral do monumento, viu que haviam cinco pessoas caminhado na calçada que circundava a praça; uma delas mantinha a cabeça baixa e era confortada pelos outros. Agora que ela já conseguia distinguir os donos das vozes e o que diziam, prestou atenção na conversa.

- Viu só, Joanne, ela não está aqui. Com certeza ainda está viva! - falou Anthony.

- Se quiser, nós até podemos procurar aqui na praça, por entre as árvores, mas duvido que Kaninchen a largaria aqui - afirmou Davis.

A medida em que era consolada, o humor de Joanne parecia melhorar um pouco. Todavia, ela estava de costas para a estátua e Jacqueline não pôde discernir as expressões no rosto da irmã.

- Há um meio de ficarmos sabendo se ela está morta - lembrou Samantha, que matinha seu braço nas costas de Joanne.

Como as palavras da moça provocaram os olhares feios dos demais, a arqueóloga reformulou a afirmação.

- Quer dizer, é claro que ela está viva, mas é sempre bom termos certeza, certo?

- E como faremos isso, Sam? - indagou Joanne.

- O tabuleiro - respondeu, apontando para a estátua. - Basta vermos se mais uma peça branca foi tirada do jogo.

- Boa idéia - apoiaram.

- Gary pode ir lá ver para nós - sugeriu Samantha, em um tom meigo. - Não é mesmo, Gary?

O homem, que se mantinha calado, assentiu com a cabeça e cruzou a praça em direção à estátua. Assim que ele chegou perto do tabuleiro, Jacqueline gelou.

Gary, então, contou o número de peças e já ia voltar para junto do grupo, quando pensou ter visto algo se mexer atrás da estátua. Decidindo que foi apenas uma alucinação, ele deu meia volta e, ao chegar perto do grupo, anunciou:

- Há nove peças brancas, assim como antes.

Todos suspiraram aliviados e resolveram se encontrar com os outros que os esperavam na confeitaria.

Assim que eles já haviam se distanciado o suficiente, Jacqueline se levantou rapidamente e se pôs a correr em direção a casa em que dormira, a chave balançando agora em seu próprio em bolso, enquanto ela chorava e lamentava o desespero da irmã.

(Continua...)


Próximo capítulo: Quarta-feira, 05 de dezembro

Um comentário:

Tifon disse...

Gostei muito desta parte.

Como todas as outras.

Espero que voltes a comentar o meu blog... :-)