quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Capítulo 34 - Contagem Regressiva


Mesmo após o minuto de silêncio, todos continuaram calados.

Não sabiam o que dizer ou o que fazer e pareciam achar desrespeitoso falar algo na frente daquelas duas moças. A medida em que os dias passavam, o laço de afinidade crescia entre eles e ficava cada vez mais difícil suportar a perda de um amigo. E era ainda pior saber que compartilhavam a confeitaria com a pessoa que assassinava a todos, um por um.

Agora só restavam cinco homens e duas mulheres. Qualquer um dos sete poderia ser Kaninchen.

Qualquer um deles poderia ter sido quem portara a arma que tirou a vida de Joanne e Jaqueline. As irmãs haviam sido jogadas em frente a onde eles dormiam, para que todos pudessem ver os tão belos rostos com uma expressão de agonia estampada e cobertos de sangue e ferimentos.

Agora, seis daquelas sete pessoas torciam para que seus olhos os estivessem enganando, para que tudo aquilo fosse uma ilusão e que as duas jovens loiras à frente deles não estivessem realmente mortas.

Seis dos sete sofriam a morte de Joanne e Jacqueline, e um, apenas um, se felicitava. Não exatamente por estar vislumbrando dois cadáveres, mas porque aquilo tudo estava prestes a acabar.

Todos chegaram à mesma conclusão ao verem a estátua da praça. Restavam sete peças brancas e cinco pretas.

Das trinta e duas peças que compõem o xadrez, só doze haviam sobrevivido ao massacre cotidiano. E Kaninchen se alegrava com o fato, pois previa que, em poucos dias, estaria livre de seu encargo.

Bastava continuar eliminando-os que, muito em breve, não sobraria ninguém. As únicas peças que restariam no tabuleiro seriam os reis branco e preto, que eram sua representação.

No entanto, para isso, não podia se demorar. Sabia muito bem que não podia extrapolar no número de mortes por dia, mas, mesmo assim, o que não seria sensato era continuar dias e dias matando um só de cada vez.

Por isso sua próxima vítima fora meticulosamente escolhida. Sua tática desta vez seria, ao mesmo tempo, rápida e atroz.

Kaninchen a colocaria em prática nessa noite e não poderia haver nenhuma falha. Se tudo corresse como o planejado, na manhã seguinte, mais duas peças estariam fora do tabuleiro de xadrez.

* * *

- Anthony, Anthony! - chamou Susan, naquela tarde.

- Ei, o que foi? - respondeu o homem, deixando de lado a torta de frango congelada que estivera tentando cortar sem sucesso.

Susan se ajoelhou ao lado dele e falou em uma altura que só Anthony poderia ouvir.

- Eu descobri, Tony, descobri uma maneira de nós finalmente sairmos dessa cidade!

- Como? - questionou o outro, intrigado.

- Veja.

Ela pôs a mão no bolso e tirou dele um pedaço dobrado de um papel com aspecto envelhecido. Quando o desdobrou, Anthony pôde compartilhar de parte da excitação da moça: era um mapa.

- Esse mapa é para o quê eu estou pensando?

- É sim! - afirmou Susan, com entusiasmo. - É a nossa saída daqui, Tony! Liberdade!

O entusiasmo com que ela exclamou a última palavra chamou a atenção de Davis e Samantha que conversavam por perto, mas segundos depois eles já não estavam mais prestando atenção.

- Como pode ter certeza?

- Olhe - Ela apontou para um lugar no canto do mapa. - Aqui está escrito “saída da cidade”. O que mais pode ser?

- Ah, não sei... onde achou esse mapa?

- Bem, estava perto de onde dormi hoje. Assim que eu acordei eu o vi, porém logo alguém avistou os corpos da Joanne e a irmã - O estômago de Anthony deu uma revirada ao lembrar dos cadáveres estirados na calçada - e não tive a oportunidade de falar com você naquela hora.

- Contou para mais alguém?

- Não - afirmou Susan. - E nem pretendo. Um deles é o Kaninchen, lembra? Vai que eu conto justamente para ele e ele nos mata antes da gente conseguir sair da cidade!

- Mas você não desconfia que eu possa ser o Kaninchen?

- Lógico que não, seu bobo! - disse, e encerrou a frase dando-lhe um beijo.

Após refletir por uns minutos, Anthony falou:

- Olha, Susan, eu não sei... eu tô achando tudo isso muito estranho. Do nada, um mapa aparece perto de você com a indicação da saída e é isso?

- Bom, talvez seja alguém querendo nos ajudar...

- Quem? Um fantasma? Ora, vamos ser realistas, tudo isso é muito, muito suspeito.

Susan suspirou.

- Mas Anthony, o que temos a perder? Já estamos mesmo... condenados a morte.

Ele, com relutância, concordou. E concordou também com a sugestão de que, assim que anoitecesse, eles sairiam da confeitaria e seguiriam o mapa.

Anthony sabia que essa poderia ser a única chance de eles se salvarem.

* * *

- O quê? - Espantaram-se os outros.

- É isso mesmo - reafirmou Anthony. - Eu acho que como Kaninchen matou duas ontem, ele não matará ninguém hoje.

- Anthony, isso é loucura! - disse Davis. - Não podemos deixar de fazer vigia por causa de uma suposição!

- É eu sei, mas...

- Desista, Anthony. Não vamos deixar de montar guarda hoje! - afirmou Edwin. – Já basta não termos feito vigia na noite de ontem, quando seqüestraram Joanne.

- O.k. então - disse o homem, percebendo que seria inútil insistir. - Pois eu vou provar a vocês que não haverá mortes hoje. Vamos, Susan.

- Anthony, Susan, não! - gemeu Samantha.

- Desculpem - lamentou Susan, indo em direção à porta que Anthony mantinha aberta. - Mas fiquem tranqüilos, não há o que temer. Hoje, não.

Pelo menos é isso que os dois esperavam enquanto saiam pela escuridão, deixando as outras cinco pessoas na confeitaria estupefatas.

Susan desdobrou o mapa e Anthony o iluminou com uma lanterna velha e fraca que havia achado junto a uma pilha de quinquilharias.

- Para a direita. Agora para a esquerda - Susan guiava-os.

Até que chegaram no ponto assinalado no mapa como “Saída”. Anthony olhou para Susan e ela retribuiu o olhar. Eles estavam em uma rua sem saída.

- O que significa isso? - perguntou o homem, indignado. - Acho que devemos voltar e rever o caminho... talvez tenhamos virado no lugar errado... talvez...

“Susan?”

O som da voz masculina soou ao longe para Susan. Ela estava olhando fixamente para frente e aos poucos a verdade tomava forma em sua mente.

- Nós não erramos o caminho, Anthony. O nosso único erro foi ter vindo até aqui, seguindo esse mapa idiota... - E enquanto falava, a moça rasgava o mapa em pedaços - Vamos, precisamos sair daqui o mais rápido possível! É só nós virarmos na primeira esquerda que...

Mas era tarde demais. Ao girarem nos calcanhares, eles viram que um vulto estava parado diante deles, com uma arma em uma das mãos e um objeto indistinguível na outra.

- Fiquem parados - falou.

E Susan e Anthony permaneceram onde estavam, sem mover um músculo ou pensar em reagir. A moça tinha razão: haviam sido tolos ao cair na armadilha e agora sofreriam as conseqüências.

A pessoa que os encarava começou a ir em direção aos dois - sempre mantendo a arma levantada - e quando chegou perto de Anthony, agachou-se. Devido à penumbra que o encobrimento da lua pelas nuvens havia provocado, não puderam reconhecer o rosto do vulto, a única coisa que focavam era um cano de revólver apontado para eles.

Foi então que Anthony sentiu algo sendo preso no seu tornozelo esquerdo. A sensação foi parecida com a de uma algema, porém era largo como um bracelete. Quando ele e Susan olharam para baixo, seus olhos foram atraídos por uma luz vermelha que era emanada do objeto.

Ao olhar atenciosamente, Anthony percebeu o que era com assombro. Logo, Susan também viu o contador digital.

Sua contagem estava em 59 minutos e cinqüenta e tantos segundos, não parando de decair.

Os dois voltaram-se para a massa negra e disforme que havia se levantado e parecia sorrir logo à frente.

- É uma bomba, - explicou - e que explodirá em uma menos de uma hora. Há somente um jeito de impedir a explosão: achando a chave que desativa o dispositivo. Ela está na confeitaria... Boa sorte - completou ironicamente.

Susan e Anthony não precisaram de autorização para sair correndo em debandada. Eles nem mesmo se preocuparam em descobrir a identidade do vulto.

E ao passo que os dois se afastavam rapidamente, Wert permanecia em pé no mesmo lugar, ainda segurando seu revólver. Olhou de relance para o mapa em pedaços jogado no chão, seguido inocentemente pelos dois, e concluiu que havia, de fato, feito um bom trabalho.

* * *

- O que aconteceu, Anth... o que é isso na sua perna? - perguntou Jacques, assim que Anthony e Susan entraram ofegantes na confeitaria.

O francês, juntamente com Edwin e Davis, estava sentado de vigia próximo à porta e se assustou ao ver o choque na face pálida do casal.

- Alguém... - ofegou a repórter, em uma tentativa desesperada de alertar a todos - Colocou uma... uma... bomba no Anthony...

Como prova, o homem levantou o tornozelo esquerdo à vista de todos, inclusive a Gary e Samantha, que haviam acordado com o alarde, e eles puderam ver o contador. Marcava 53 minutos.

- Quem? Como? - indagou Edwin, surpreso.

- Alguém... nós não... conseguimos ver quem era - a exaustão ainda roubava o fôlego de Susan.

- Homem ou mulher?

- Eu... eu não sei.

Ninguém teve muita certeza que essa última afirmação era verdadeira. Se ela dissesse que a voz era de uma mulher, todos incriminariam Samantha, e Susan não faria isso com a amiga. De qualquer forma, parecia impossível que alguém tivesse deixado a confeitaria e retornado sem nenhum dos três homens que estavam de vigia notarem.

- Vocês têm a alguma idéia de onde esteja a chave? - perguntou Samantha.

- Aqui - responderam Anthony e Susan juntos.

- Aqui, na confeitaria?

Eles somente assentiram e começaram a correr para as prateleiras e iniciarem a busca. Sem demora, os outros cinco se dispuseram a ajudar também. Nem passou pela cabeça deles dar uma lição de moral em Anthony por ele ter desobedecido a sugestão dos outros mais cedo.

A procura, então, começou. Retiravam os produtos das prateleiras em busca de um objeto que encaixasse no pequeno buraco que havia ao lado do visor da bomba-relógio; levantavam caixas, verificavam dentro de pacotes e latas abertas, examinavam atrás de quadros nas paredes e tudo era em vão.

Trinta minutos já haviam se passado; só restavam mais trinta.

E o tempo continuava correndo. Os ponteiros do relógio pendurado na parede giravam em sincronia no sentido horário, aumentando, cada vez mais, a aflição de Antony. Seu rosto agora ostentava um tom escarlate, e seu corpo suava em resposta ao desespero que ele sentia.

Olhou para o contador em seu próprio tornozelo: ele tinha vinte minutos. Mesmo sabendo que ainda era possível se salvar, já havia tomado sua decisão: se não achassem a chave a tempo, ele teria que ir para algum lugar onde a explosão não afetasse ninguém.

Susan, presumindo que essa seria a reação de Anthony, também procurava freneticamente. Estava determinada a não deixá-lo morrer.

Quando restavam apenas dez minutos, já não era tão fácil andar pela confeitaria.

Por todos os corredores haviam produtos espalhados - chocolates, cereais, tortas, temperos, saquinhos de chá e muitos outros alimentos - e a maioria das prateleiras estavam praticamente vazias.

A chave, porém, ainda estava desaparecida.

Anthony, sabendo que a explosão estava se tornando cada vez mais inevitável, resolveu esclarecer algo que martelava em sua cabeça:

- Edwin, eu preciso que você me responda sinceridade.

O arquiteto parou sua procura e olhou atentamente para Anthony.

- O que houve?

- Eu preciso saber sua opinião como alguém que já serviu o exército: isso que está na minha perna pode mesmo ser uma bomba? Quero dizer, há alguma possibilidade de estarmos sendo enganados?

Edwin abaixou a cabeça e respondeu, aparentemente com pesar:

- Olhe, Anthony, pelo o que eu conheço de bombas, isso que você tem no tornozelo é realmente uma... uma bomba-relógio. Há dois fios aqui e um dispositivo desse lado que...

Ele parou de falar. Lágrimas escorriam pelos olhos de Anthony.

Edwin olhou para os números no mostrador e entendeu o porquê. Restavam seis minutos.

“Sinto muito”, foi a única coisa que o arquiteto conseguiu dizer.

Anthony continuou parado e olhou para as pessoas que o ajudavam. Uma delas, estava mentindo, ele tinha certeza. Uma delas sabia exatamente onde estava a chave, mas fingia procurar e se importar que daqui cinco minutos, Anthony estaria morto.

Edwin, Davis, Samantha, Gary ou Jacques.

A vontade do homem era gritar “Ei, Kaninchen, queime no inferno, desgraçado!”, no entanto, ele não disse isso. Não disse nada na verdade: queria que os últimos minutos de sua vida fossem silenciosos, desejava que pelo menos no fim não sentisse a cólera e a agonia que tomara conta de si há quase uma hora atrás.

Lentamente ele se dirigiu à porta da confeitaria sem olhar para trás ou se despedir de ninguém. Não gostava de despedidas.

O marcador em seu tornozelo indicava que lhe faltavam dois minutos e meio.

A porta se abriu e logo se fechou.

- ANTHONY! - Susan gritou, assim que notou que o homem havia acabado de sair da confeitaria.

Quando ela começou a ir para a entrada, alguém lhe chamou ao fundo.

- Susan! Ei, Susan, venha cá! Eu achei a chave!

Um minuto depois, a moça saia do estabelecimento com a pequena chave segura em sua mão. Amaldiçoando mentalmente a garrafa de refrigerante dentro da qual estava a chave, Susan berrava o nome de Anthony.

Após mais um minuto, ela achou o homem em uma casa com um aspecto bastante antigo e desgastado.

- Tony, veja! Nós achamos a chave, nós achamos!

O rosto de Anthony se iluminou. Será que ainda haveria alguma chance?

O contador regressivo estava em trinta segundos.

Susan e Anthony se agacharam rapidamente, ela encaixou a chave de desativação no buraco correspondente na bomba-relógio e girou.

Os dois prenderam a respiração.

Nada aconteceu.

23 segundos.

Ela tentou girar a chave novamente, mas o mostrador continuava trocando os números.

18 segundos.

Anthony retirou a chave do buraco e a inseriu mais uma vez, girando-a desvairadamente.

Porém, todo o esforço foi inútil.

Quando só faltavam quinze segundos, Anthony disse baixinho:

- Vá.

Contudo, Susan não se mexeu. Somente balançou a cabeça negativamente e disse, sem emitir nenhum som, apenas movendo os lábios:

- Eu te amo.

8 segundos.

Nem Anthony nem Susan se importavam mais em tentar desativar a bomba. Aquele decisão poderia até parecer irracional, todavia, a única coisa com que eles se preocupavam era continuarem olhando um para o outro. Sequer pensavam na morte ou em por que a chave não tinha funcionado, somente permaneciam em silêncio, admirando um ao outro com o olhar.

5 segundos. Os números permaneciam em contagem regressiva.

Quase no fim, os lábios de Anthony encontraram os de Susan.

E eles não se separaram até que, três segundos depois, o marcador chegou ao zero.

Nesse exato momento, o barulho de uma explosão foi ouvido por toda a cidade.

(Continua...)


Crédito da ilustração: O autor.

Observação: A ilustração no início do capítulo é meramente ilustrativa e não representa fielmente o contador descrito no texto acima.


Próximo capítulo: Domingo, 16 de dezembro

domingo, 9 de dezembro de 2007

Capítulo 33 - Dois Coelhos

Wert estava de pé, apontando uma arma para elas.

- Fechem a porta - ordenou. - E sentem-se.

As duas obedeceram. No meio da sala, agora, havia duas cadeiras; a que tinha sido colocada recentemente era um pouco mais baixa do que a outra, porém tinha o mesmo aspecto envelhecido.

Joanne piscava os olhos, estranhando tamanha escuridão. Agora que a porta estava fechada, somente uma pequena fonte de luz que pendia do teto iluminava o cômodo.

- Wert, lembre-se de seu juramento! - falou Jacqueline. - Você prometeu que não machucaria minha irmã!

Wert riu.

- Ah, minha querida, o que te fez acreditar que eu cumpriria com a minha promessa?

- Mas será que você não tem nem um pouquinho de palavra? - desafiou a modelo.

A risada de Wert ficou ainda mais audível.

- Palavra?! Ora, faça me o favor! Eu mato pessoas e não brinco de honra e ética com elas! Agora cale a boca, Kani já deve estar chegando.

De fato, vinte minutos depois, Kaninchen entrou ofegante na casa. Joanne não se surpreendeu ao ver quem era, sua irmã já havia lhe contado e, quando soube pela primeira vez, aí sim, ela chocou-se.

- Hum, veja só quem temos aqui. Joanne... nem desconfiou de minha armadilha?

Joanne nada disse. Kaninchen sorria, apesar de estar evidente sua aflição.

- Wert, amarre-as.

Como elas eram em duas, Wert havia preferido mantê-las sob a mira de seu revólver a tentar prendê-las. Agora que Kaninchen havia chegado, no entanto, elas nunca tentariam reagir e Wert teria prazer em prepará-las para a morte.

- Bom, - disse Kaninchen - é como diz aquele ditado: “dois coelhos com uma só cajadada”.

- O que quer comigo? - perguntou Joanne, os olhos mareados.

- Eu? Com você? Nada. Só matá-la, mesmo.

O insano sarcasmo fez Wert gargalhar, enquanto as irmãs ficavam cada vez mais desesperadas.

“Seu desejo era fazer psicologia, não é mesmo, Joanne?”

A moça assentiu.

“Pois bem, assim como dei a sua irmã uma chance de sobreviver...”

- MENTIRA! - protestou Jacqueline. - TUDO MENTIRA! Eu fiz tudo o que você pediu, cumpri as três tarefas e, no final, de nada adiantou! Vocês não passam de dois canalhas desprezíveis!

Kaninchen não pensou duas vezes antes de sacar sua arma e dar um tiro que passou raspando no ombro da moça. Enquanto ela começou a gemer de dor, Kaninchen continuou a falar, impassível.

- Isso não foi muito educado de sua parte, Jaqueline. Pelo menos, você salvou sua irmã. Eu até deixarei ela viva!

Um alívio imediato e incondicional irrompeu no peito de Jacqueline. Será que realmente conseguira salvar Joanne?

“Só que, para isso, ela precisa me convencer a não matá-la. E rápido, pois não tenho muito tempo! Vamos lá, Joanne, tem um minuto.”

A moça não sabia o que dizer. Sua vida dependia dos próximos sessenta segundos e ela tentava a todo custo manter a calma e dizer algo bem convincente.

- Bem... - começou. - Olhe, você não tem por que nos matar, sabe. Se você quiser, nós saímos da cidade e a gente não conta para ninguém sobre o que aconteceu aqui... Para quê sujar sua alma com... com... nosso sangue?

Segundos de silêncio. Joanne sabia que não estava dando certo, por isso, resolveu trocar sua abordagem.

- Você acha que... que seus pais gostariam disso?

A sutil reação de Kaninchen a essas palavras incentivou Joanne a continuar.

- E seus amigos? E toda sua família? Por que matar, se sujeitar a um ato tão sórdido? O que nós fizemos pra você? Ponha-se no nosso lugar, imagine que estivesse prestes a morrer a troco de nada!

Kaninchen agora prestava imensa atenção na jovem. Quando ela tentou continuar, Wert a interrompeu:

- Bééé! Tempo esgotado! Infelizmente menina, você...

- Silêncio - Kaninchen se impôs. - Ora, ora, ora, se saiu muito bem, garota! Quase que consegue me convencer. Apesar de não me persuadir inteiramente, eu cumprirei minha promessa e lhe deixarei livre. Wert, solte-a.

Evidentemente a contragosto, Wert obedeceu. Assim que estava livre das amarras, Joanne se ajoelhou e implorou:

- Por favor, soltem minha irmã também! Eu não sou nada sem ela!

- Trato é trato. Disse que soltaria você, não ela. Agora...

Kaninchen apontou a arma para Jacqueline e já estava com o dedo no gatilho quando, em um movimento inesperado, Joanne tirou um revólver de seu bolso e puxou o gatilho. Nada aconteceu.

- Será que é o que eu estou pensando? - falou Wert - Essa arma é a que eu dei à sua irmãzinha para cumprir a segunda tarefa? Bom, se for, saiba que eu nunca coloquei balas nela. Acha mesmo que daria uma arma carregada pra ela?! - ironizou.

Joanne soltou o revólver que sua irmã havia lhe dado minutos atrás, quando ainda estavam livres, e observou Kaninchen mirar, novamente, sua própria arma para Jacqueline.

- ESPERE! - gritou Jacqueline. - Eu sei de tudo!

O revólver não disparou.

- Tudo? Tudo o quê?

- Tudo - repetiu a moça. - Sei sobre a lenda, sobre a estátua, sobre vocês.

- Mas como...

- Eu li. Li o diário.

Apesar de ninguém ter percebido por conta da baixa claridade, Kaninchen e Wert empalideceram. O coração dos dois batia acelerado: o que eles mais temiam estava se tornando realidade e sendo anunciado pela voz aguda e desesperada de Jacqueline.

- Eu e todo o grupo das peças pretas - ela continuou. - Talvez não tenham percebido, mas quando saí para buscar o diário, levei a chave comigo por garantia. Assim que cheguei no esconderijo deles, acabei sendo pega pelo grupo e, na inocente posição de refém em que estava, acabei acordando em lhes dar a chave para que eles abrissem o diário, já que estávamos do mesmo lado. O escrito estava em latim, mas eles já estavam preparados para isso. Haviam buscado um senhor que sabia o antigo idioma e que traduziu tudo para nós. Tudo.

Demorou um pouco para que alguém falasse. Joanne continuava parada, em pé, ao lado da irmã e Jacqueline já havia esquecido a dor em seu ombro.

- Ora, Kani, vamos, é óbvio que é mentira! - disse Wert, parecendo não acreditar na sua própria afirmação.

- Não, não é - Kaninchen, de alguma forma, sabia que era tudo verdade. Tinha certeza que uma hora ou outra isso aconteceria, só não esperava que fosse agora. - Bem, menina, eu agradeço que você tenha me contado como seu último ato de caridade, mas agora eu vou ser obrigado a te mat...

- NÃO! - berraram Jacqueline e Joanne em uníssono.

Kaninchen, novamente, não atirou: uma dúvida surgira em sua mente.

- Antes, porém, eu fiquei curioso: por que você nos contou tudo isso?

Jacqueline tomou fôlego e engoliu as lágrimas que entraram em sua boca.

- Foi somente para vocês saberem que não importa se me matarem, ou não, porque agora há mais pessoas que sabem o seu segredinho e, pode apostar, que, em breve, a vítima será vocês.

Aquelas desafiadoras palavras foram as últimas da moça. Assim que ela terminou, Kaninchen pegou seu revólver com silenciador e disparou três tiros contra Jacqueline. Todavia, nenhum sangue foi espirrado do corpo da moça: um instante antes do gatilho ser puxado, Joanne se jogara na frente da irmã e recebera as três balas no peito.

Quando a jovem caiu morta em frente à Jacqueline, esta fez menção de gritar, mas nenhum som saía de sua boca. Havia somente lágrimas escorrendo desesperadamente pelo seu rosto abatido.

- Coitada - caçoou Kaninchen, fingindo piedade. - Morreu em vão.

Foi então que disparou mais quatro tiros e que, dessa vez, atingiram Jacqueline.

Momentos antes de dar seu último suspiro, uma seqüência de lembranças passaram pela cabeça dela. E, ao mesmo tempo, uma intensa sensação de culpa foi tomando conta de Jacqueline, apertando fortemente seus pulmões e impedindo, gradualmente, que ela pudesse respirar.

Após alguns segundos, o sangue continuava a pingar no chão gelado, contudo, ele, agora, escorria de um corpo sem vida.

Como, inconscientemente, Kaninchen havia se levantado da cadeira enquanto se assombrava com as revelações de Jacqueline, se sentou novamente e exigiu:

- Tire-as da minha frente.

Wert, de cara amarrada, desamarrou Jacqueline e arrastou o cadáver para um outro cômodo com dificuldade. Depois se preocuparia em onde a iria jogar.

Ao chegar perto do corpo de Joanne, hesitou. Seu recuo fez Kaninchen questionar:

- Não vai levá-la daqui?

- Não. Sua vez de carregar o cadáver - respondeu Wert sorrindo. - Prometi à outra que não tocaria um dedo na irmã.

E soltou uma risada sarcástica.

(Continua...)


Próximo capítulo: Quarta-feira, 12 de dezembro