quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Capítulo 38 - As Revelações do Diário, parte I

Duas horas da tarde. Adam acabara de entrar no banheiro quando os outros ouviram sua voz:

- BOMBA! - berrou, enquanto saia correndo.

- Onde? - perguntou-lhe Nicole, confusa.

- Não importa! Saia daqui imediatamente! - E acrescentou: - Venham todos, venham!

Assim que Adam alcançou a porta da confeitaria, Jacques, Samantha, Davis e Gary já haviam chegado lá para saber o motivo da gritaria.

- Que foi? - perguntou Samantha.

- Depois explico! Saiam já, vão! - E enquanto falava, Adam, abria a porta da confeitaria e se arremessava para fora, seguido pelos outros.

Mesmo na rua, o pupilo de Jacques não descansou e ordenou a todos que se afastassem o máximo da confeitaria. Somente quando estavam a 100 metros do estabelecimento, Adam tomou fôlego e esclareceu:

- Havia um bilhete no banheiro... dizia que às duas horas aquele lugar iria explodir!

O físico olhou no relógio.

- Mas já passam alguns minutos das duas.

- Eu sei. Por isso é que...

CABRUM! O barulho da explosão abafou completamente a voz de Adam e a visão de toda a confeitaria se desmanchando como um castelo de cartas jamais saiu da memória deles.

Novamente por causa de uma bomba, o lugar havia sido desorganizado, só que, dessa vez, para sempre. Não haveria um vestígio sequer de um pacote de bolacha ou um saquinho de tempero.

Os mantimentos agora eram parte dos destroços. Os tijolos das paredes e todos os alimentos se uniram em meio aos escombros.

Foi aí que Adam se deu conta de algo que, devido à pressa e ao desespero, não havia notado momentaneamente.

- Cadê a Nicole? Nicole! NICOLE!

Ele olhava para os lados desesperadamente, mas ela não estava ali; no fundo, sabia qual fora o destino da moça. Mesmo assim, não podia aceitar que o fim dela tivesse sido desse modo, e continuava gritando.

Contudo, a moça não poderia mais responder ao seu chamado: estava soterrada sob o que restou da confeitaria.

Depois que entrou pela primeira vez, Nicole nunca saíra do recinto. Havia morrido lá mesmo, abandonada, vítima de uma explosão cruel e atroz.

Desistindo de procurar sua amiga, Adam olhou para os outros quatro. E cada vez que seu olhar encontrava o dos demais, sua raiva ia aumentando, crescendo incessante e incontrolavelmente.

Um deles havia matado Nicole. Um deles havia assassinado quase trinta pessoas friamente.

Jacques, Davis, Gary, Samantha.

Todos o olhavam com indignação e inocência, no entanto, Adam sabia que entre eles estava o farsante, o homicida de Nicole.

O francês tentou consolá-lo, porém ele não confiava mais em Jacques. Não confiava mais em ninguém.

O único motivo pelo qual Adam não atacou um por um foi porque não era cruel como Kaninchen. Não seria capaz de ferir três inocentes objetivando acometer um só.

- Adam? Adam, me escute! Você sabe por que Nicole não conseguiu sair a tempo? - perguntou o francês.

- Não, não, eu... talvez ela tenha ido ao banheiro pra ver se havia mesmo uma bomba... eu não sei...

- Você conhece um lugar para nos ficarmos? - indagou Samantha.

- Conheço, conheço... - disse, olhando para frente - Tem um esconderijo que você ainda não achou.

- Eu?! - perguntou, confusa.

- Talvez. Me referia a Kaninchen.

- Adam, pare de nos lembrar que o Kan está entre nós. Não faz idéia de como isso é incômodo!

- Incômodo? Não sabe o que é isso, Jacques! Acha que foi cômodo chegar aqui com dezenas de pessoas e ver todos morrerem? Acha que eu me divirto sendo o único sobrevivente entre mais de trinta?

Ninguém retrucou. Eles também sabiam o quanto era difícil ver as pessoas sendo assassinadas pouco a pouco.

Gary, preocupado, questionou:

- Ainda há comida naquelas duas geladeiras que vocês encontraram, certo?

- Infelizmente, não. Éramos em muitos, a comida era pouca... - respondeu Adam.

- E agora? - desesperou-se Samantha.

Não houve resposta. Nenhum deles tinha uma solução

- Daremos um jeito. Sigam-me. - ordenou Adam.

E lá se foram os cinco. Viravam ruas pelas quais se lembravam vagamente de terem passado antes, viam manchas de sangue nos paralelepípedos, e se recordavam dos primeiros dias em que estiveram naquela cidade.

Davis, Gary e a única mulher que restara no grupo iam um pouco atrás e Adam, já mais controlado, conversava com Jacques logo à frente.

- Minutos antes de chegar aqui, estava usando minha luneta - contou Jacques.

-Vendo a aproximação da Proxima Centauri? - indagou Adam.

- Uhum. Você viu?

- Claro, mesmo daqui. Que astrônomo amador perderia esse fenômeno?

Jacques riu.

- É verdade... Então você certamente percebeu que algo extraordinário ocorreu... Eu até saí de minha casa, para avisar ao seu irmão o que estava acontecendo, quando apareci aqui.

- O que exatamente você viu?

- Eu vi uma coisa inexplicável, o fenômeno mais belo... algo tão excêntrico... várias misturas de cores começaram a ocorrer, e explosões e... - fez uma pausa para tomar fôlego. - Você deve ter visto. Mesmo daqui, era visível, não?

- Era, era sim. Mas não o tal espetáculo que você descreve.

- Ah, impossível! Você não deve ter olhado no momento certo - o sorriso de excitação sumia do rosto do físico.

- Eu olhei, Jacques. Vi a aproximação da estrela até quando ela foi se afastando e deixou de ser visível a olho nu.

- No entanto, você não viu as explosões e a fantasia no céu?

- Não. Aquilo não era nada, Jacques.

- Como nada? Era algo inigualável, era...

- Você não viu o que pensa que viu - lamentou Adam.

- O quê? Eu não estava bêbado, se é isso que está insinuando. Não me culpe por algo que você não viu!

- Não estou te culpando. Não é culpa sua.

- Adam, eu não estou entendendo...

- Você não estava bêbado, estava alucinado.

Jacques virou-se para ele e fez uma cara de interrogação.

- Alucinado? Como assim, o que quer dizer? - espantou-se.

- Exatamente o que eu disse. Você estava vendo alucinações, tendo visões irreais, estava tudo em sua mente.

- Você não acredita em mim, não é?

- Não é essa a questão. É que se logo depois de ver o fenômeno você apareceu aqui, provavelmente estava nesse estado de desvario. Primeiro, porque nada demais aconteceu durante a aproximação da estrela; eu sei, pois, como já disse, eu a observei também. E segundo, porque é assim que eles fazem, é assim que chegou aqui.

- Como é?

Quem fez a pergunta desta vez não foi Jacques, foi Gary. Todos agora caminhavam próximos a Adam, para ouvir seu esclarecimento.

- Bom, nós descobrimos isso lendo o diário - ele falou. - O aparecimento de todos aqui na cidade não foi magia ou um truque. Acontece é que eles os drogaram.

- Quê?!- ouviu-se quatro vozes diferentes exclamarem.

- Exatamente. A diferença é que essa tal droga é um gás quase imperceptível, conforme Willard descreve. Diz ele que assim que é inalado, a pessoa começa a ter leves alucinações, sua visão começa a clarear e ela desmaia.

Durante um tempo estranhamente longo, ninguém falou nada. Ainda digeriam a revelação.

- Então... foi assim? - perguntou Samantha, boquiaberta.

- Foi.

- Mas espere... - disse Davis. - Quer dizer que nada do que vimos pouco antes de desmaiarmos foi real?

- Mais ou menos - afirmou Adam. - Digo, as alucinações eram poucas, muita coisa que estava ao seu redor você ainda enxergava. No entanto, o que achou ser algo inacreditável, era efeito do alucinógeno.

“Eu, por exemplo, pensei que meu prédio estava desmoronando! Quando comecei a descer as escadas para sair de lá, tudo ficou branco e eu imaginei que haviam jogado uma bomba, ou algo assim. Tudo mentira.”

A idéia ainda parecia surreal demais para ser aceita.

- Mas como...? Eu não inalei gás algum, não havia ninguém na minha casa!

- Poderia não haver, Samantha, - concordou Adam - porém, horas antes, Willard ou Wert havia instalado lá um pequeno aparelho que exala o tal gás.

- Colocaram na casa de cada um?!

- No diário, ele afirma que sim.

- E onde conseguiram essa droga?

- Diz ele que contrabandearam. Não é um gás muito comercializado, no entanto, alguns batalhões policiais já testam o artefato. Uma química que estava em nosso grupo nos contou que esse tal gás contém entre seus componentes extrato de papoulas soníferas, a mesma planta de onde se extrai o ópio.

Os olhos de Gary ainda refletiam surpresa:

- Tudo isso é tão difícil de acreditar! Parece...

- Mentira - completaram Davis, Samantha e Jacques juntos.

- Eu sei - concordou Adam. - Mas vejam que tudo se encaixa. E outra, vocês estão há mais de duas semanas em uma cidade onde seus amigos são mortos inocentemente e há uma estátua que se mexe sozinha. Ainda acham difícil de acreditar em alguma outra coisa?

- Ah! - exclamou a moça. - E sobre o mistério da estátua, ele diz alguma coisa?

- Diz - respondeu. - Contarei tudo a vocês assim que chegarmos ao nosso destino.

Eles agora caminhavam ocupados rememorando a manhã em que desapareceram, procurando confirmar o que o desalinhado rapaz que ia logo adiante acabara de dizer. E tanto para Gary, quanto para os outros três, não havia dúvidas que toda aquela teoria poderia ser verdade.

Enquanto o físico lamentava não ter existido a maravilha celeste que imaginara, Davis tinha dificuldades em organizar seus pensamentos. Todas as suas dúvidas eram direcionadas para uma só pergunta: Será que a casa dele realmente explodiu, ou foi tudo uma simples ilusão?

- Chegamos - Adam anunciou.

O lugar que iria servir de novo abrigo para eles parecia ser uma casa pequena. Não era como as outras: a única coisa visível era uma porta e um pedaço de parede com uma pintura bege bastante gasta. Ao lado, havia uma construção também com uma cor clara, o que facilitava a camuflagem do local onde morariam agora.

- Se bem que não adianta muito nos escondermos. O assassino está entre nós mesmo - lembrou Adam.

Assim que entraram, constataram que a habitação era bem maior do que imaginavam. Tinha seis cômodos razoavelmente amplos, alguns móveis e muitas cadeiras espalhadas pela sala.

“Sentem-se. Se acomodem.”

Logo que os cinco estavam aconchegados nos assentos de madeira e vime, foi Adam quem falou novamente:

- Bem, precisamos ser rápidos com isso. Acabamos perdendo tempo na outra casa e... - ele não completou. - O fato é que vocês precisam saber a respeito do diário e agora é a hora de eu lhes dizer tudo.

“Primeiramente, preciso alertá-los de que não sabemos como, mas aparentemente algumas páginas foram queimadas por acidente e, por isso, há alguns trechos e algumas páginas que não sabemos o que diziam. Muitas partes foram danificadas, principalmente no começo; no entanto, vocês verão o quanto descobrimos lendo apenas as palavras em latim que sobreviveram às labaredas.”

“Da primeira página, escrita dia 17, não restou praticamente nada, mas não parece que dizia algo muito importante. Ao que parece, ele apenas se apresenta e explica o porquê de chamar seu irmão ou irmã pelo codinome. Infelizmente, não restaram as linhas revelando a verdadeira identidade dessa pessoa.”

“Bem, os registros legíveis começam no dia 18 de Agosto...”

* * *

18 de Agosto

Acabamos de chegar na cidade. Eu e Wert. Faz três dias que nossa irmã morreu, e só aí nós percebemos que não há como escapar. O tabuleiro não perdoa.

Escolhemos uma boa casa, em lugar estratégico, para nos escondermos quando a cidade estiver cheia de gente. Por enquanto a cidade está vazia, mas em breve traremos habitantes de Scacci para cá.

Scacci não fica tão perto, mas Wert - que morou lá durante tanto tempo - a conhece como palma das mãos e isso é vantajoso para nós.

Nada fica muito próximo daqui, só montanhas e campos, por isso raramente alguém descobre essa cidadezinha.

Mesmo assim é um lugar adorável. Talvez eu pense isso somente porque nasci aqui e não tenho muita certeza se vão ser da mesma opinião as pessoas que trarei para cá.

Não sou tão favorável à idéia de matar tanta gente inocente, mas é a minha vida e a de Wert que estão em risco. E o tabuleiro não perdoa.

(Continua...)


Próximo capítulo (segunda parte): Domingo, 30 de dezembro

domingo, 23 de dezembro de 2007

Capítulo 37 - A História Obscura

- Bom, tudo começou cerca de um mês atrás - disse Adam, dando início à narrativa. - Eu estava na cama, quase dormindo, em um prédio na cidade de Scacci. Foi quando vi um clarão, uma luz intensa, e apareci nessa cidade de repente. Pelo que a gente constatou todos vieram mais ou menos do mesmo jeito.

Davis, Samantha, Jacques e Gary deram um sorriso. Acontecera o mesmo com eles.

“O incrível é que a gente chegou mais ou menos junto com umas trinta pessoas! Todas confusas e sem saber onde estávamos. Nós chegamos perto da praça, pelo menos a maioria, e então, como vocês, nós admiramos a estátua e ficamos nos perguntando o que será que tudo aquilo significava.”

- Como sabem que nós vislumbramos a estátua assim que chegamos? - interrompeu Davis. - Estiveram nos espionando?

- Nã... - começou Adam, mas Nicole o impediu de continuar.

- Sim - confessou ela. - Na verdade, sim. Ficamos assustados em saber que mais gente tinha chegado e, por isso, alguns foram espiar vocês...

- Ah! - exclamou Jacques. - Foi então que um do grupo de vocês, o Willard, morreu, não é mesmo?

Adam e Nicole pareceram se assombrar com a questão. A moça se pôs a coçar a nuca, desconfortavelmente, e o rapaz olhou para baixo. Sem responder a indagação, Adam deu de ombros e seguiu contando:

- Bem, como eu ia dizendo, a gente ficou meio perdido, mas no primeiro dia tudo correu normalmente. Até que, naquela noite, três dos nossos morreram. Como vocês bem sabem, pois vivenciaram a mesma situação, ficamos pasmos em saber que havia um assassino na cidade, mas não tomamos nenhuma atitude.

- As peças de xadrez se mexeram? - perguntou o francês.

- Não, Jacques. Nenhuma delas. - E antes que o outro pudesse indagar por quê, Adam fez um gesto para que ele nada dissesse e acrescentou: - Eu vou chegar lá. Enfim, conforme as noites iam passando, mais de nós iam sendo brutalmente mortos. Parecia-nos que havia somente duas pessoas provocando os homicídios.

A informação chocou um pouco alguns que não sabiam haver mais de um assassino na cidade. Mesmo assim, ninguém o interrompeu de novo.

“Infelizmente, nunca vimos o rosto de nenhum deles, somente de relance. Uma semana depois de chegarmos aqui, só restavam vinte e dois de nós. Mesmo assim nenhuma peça do tabuleiro havia se movido um centímetro ainda. Não entendíamos o motivo da chacina, resolvemos, então, nos esconder. Encontramos uma casa que, por pura sorte, tinha duas geladeiras com um pouco de comida dentro. Quanto à água, usávamos a da praça, como vocês.”

“Mais uma semana se passou. Graças a Deus, a estratégia de nos abrigarmos deu certo: naquela segunda semana, somente duas pessoas morreram. Logo que eles nos achavam, mudávamos de casa e, assim, demoravam nos achar novamente.”

- E a comida? Onde arranjavam comida quando saíram do primeiro abrigo? - perguntou Samantha, evidentemente curiosa.

- Voltávamos a cada três dias na casa com as geladeiras para comermos - respondeu Nicole.

- Ficavam durante três dias sem comer?!

Os dois assentiram e Adam voltou a contar sua história:

- Duas semanas depois de nossa chegada, foi a vez de vocês. Assim que ouvimos barulhos fora do comum, fomos averiguar cautelosamente o que era. Foi quando Lin resolveu se infiltrar no grupo de vocês, alegando que ficaria mais protegida do que conosco.

Dessa vez, os quatro não conseguiram se conter: Samantha soltou um gritinho, Davis e Gary arregalaram os olhos e Jacques pôs a mão na boca. Eles até teorizaram a possibilidade da chinesa pertencer ao outro grupo, mas escutar a confirmação da hipótese saindo da boca de Adam era novamente surpreendente. O rapaz prosseguiu:

“Bem, enquanto observávamos vocês três”, disse, apontando para Davis, Samantha e Jacques, “encontrando-se com o resto do grupo, vimos uma discussão acontecer. Não pudemos distinguir por quê, mas eu, que estava entre os que vigiavam vocês, notei o seguinte: primeiro, ouvi vozes ao longe; depois, elas foram se aproximando e vi duas pessoas. Uma delas estava encapuzada e a outra... bem, a outra era Willard.”

Silêncio. Todos pareciam prender a respiração.

“Não sabemos se quem se escondia sob o capuz era homem ou mulher, porém costuma atender pela alcunha de ‘Wert’. Wert, então, perseguiu Willard e, quando pôde, deu vários tiros nas costas do infeliz.”

- Por quê?

- Não sei. Ninguém sabe - Adam olhou para Nicole, e ela confirmou a resposta. - Só sabemos que foi isso que aconteceu.

- Tudo bem, continue - apressou Jacques, ansioso.

- Bom, daí vocês chegaram e tudo mudou. Como Willard tinha morrido, Wert teria que nos assassinar sem ajuda alguma, então...

- Como assim?! - questionaram Samantha, Davis e Jacques em coro.

- Como assim o quê?

- Quer dizer... Willard era o homem que matava vocês? - perguntou Davis.

- Desculpem se esqueci de dizer. É, Willard Tye é quem nos assassinava junto com Wert.

- A propósito - acrescentou Nicole. - Willard era irmão de Wert.

A confeitaria mergulhou em um incômodo silêncio por alguns segundos. As peças do quebra-cabeça pareciam estar todas na mesa e, agora, Adam e Nicole estavam ajudando-os a montá-lo.

- Poxa... bem, vá em frente - sugeriu Jacques.

- O.k. Como eu ia dizendo, Wert agora não tinha mais seu irmão e, sem dúvida, não daria conta de matar os dois grupo sem auxílio. Somando os dois, davam umas trinta e poucas pessoas. Foi aí que Kaninchen apareceu.

Era meio-dia, contudo ninguém prestava atenção no relógio. Será que descobririam algo sobre Kaninchen nos próximos minutos?, pensavam as pessoas que escutavam atentamente a história de Adam.

“Também não sabemos se Kaninchen é homem ou mulher,” ao falar isso, Adam evitou olhar para a direção de Samantha, “mas o fato é que, aparentemente Kan chegou com vocês. Desconhecemos como ou por quê, mas é fato que a partir do dia em que chegaram, alguém começou a matar os membros do nosso grupo e dos seus. Foi quando as peças do xadrez começaram a se mover.”

“Hanz, um alemão que estava em nosso grupo, nos disse que esse codinome significava ‘coelho’ na língua dele.”

Uma ponta de remorso por Edwin transpassou a mente de alguns.

“E... vocês já sabem. Kaninchen começou a matar a gente e, ás vezes três por noite, era eliminado de nosso grupo. E ninguém escapou: morreram o Arthur, o Hanz, o Charles, a Anne, todos! Só restamos nós.”

Dessa vez, Nicole impôs sua voz zombeteira:

- O curioso é que a pessoa que matou quase todos do nosso grupo, está bem na minha frente. Ah, Kaninchen, seu cafajeste... - disse, correndo os olhos por cada um na confeitaria.

Novamente, não houve manifestações.

- Foi isso que vieram nos contar? - questionou Davis.

- Na verdade, não - respondeu Adam. - Isso foi só para vocês entenderem a história. O que viemos contar a vocês é sobre o diário.

- Que diário?

Nicole parecia bastante exausta quando disse:

- Willard, antes de morrer, mantinha um diário. Nele ele escrevia tudo o que se passava durante os dias em que nos perseguia e alguns dias antes também, quando as duas únicas pessoas na cidade eram ele e Wert.

- E vocês leram esse diário - indagou Samantha.

- Lemos - respondeu Nicole com um sorriso. - Estava em latim, mas conhecíamos alguém que sabia traduzir e ele traduziu tudo, tudo, tudo. Desde a primeira letra, até o último ponto.

Kaninchen engoliu em seco, porém ninguém notou.

“Viemos aqui, então, lhes contar o que ele dizia.”

- O que estão esperando então? Comecem logo! - exclamou alguém.

- Agora não - falou Adam, depois de bocejar. - Estamos extremamente cansados, não dormimos há dias e há muito a ser dito a respeito do diário! Deixe-nos descansar um pouco e daqui algumas horas lhes contaremos tudo o que resta.

Todos assentiram. Cinco minutos após, os dois estavam acomodados em um canto da confeitaria.

* * *

- Não, não pode ser o Jacques - cochichou Adam. - Conheço ele há anos, nunca faria uma coisa dessas! Assassinar dezenas de pessoas inocentes a sangue frio? Não, não é o estilo dele...

- Então pode ser aquela mulher - concluiu Nicole.

- A Samantha? Duvido... Eu apostaria nos outros dois.

- No David ou no que não abre a boca?

- É Davis - corrigiu Adam com um leve riso. - E acho que poderia ser qualquer um deles.

- Creio que o que fica calado é mais suspeito. Talvez não diga nada para não se incriminar em um deslize.

- Enfim, o fato é que temos três susp...

- Quatro! Não podemos excluir o Jacques por que confia nele. Nenhum deles parece ser assassino.

- Que seja - sussurrou Adam. - Temos que tomar cuidado com todos eles e sermos muito cautelosos!

- Tem razão, bastante cautelosos... - realçou baixinho, sonolenta.

E os dois se puseram a dormir.

* * *

Kaninchen estava do lado de fora da confeitaria. Não podia sair do campo de vista dos outros, pois levantaria suspeitas. Sentou-se na calçada há alguns minutos e ficara ali refletindo. Ao mesmo tempo em que precisava permanecer na confeitaria, precisava conversar com Wert. Tinha que impedir que os dois intrusos revelassem o conteúdo do diário, só que não conseguia pensar em nada! Estava prestes a se levantar, quando uma voz chamou seu nome.

Kaninchen olhou e viu Wert de pé, perto à parede.

- O que está fazendo aqui?! - assustou-se. - Se alguém te ver...

- Ei, calma! - disse Wert - Ninguém que está lá dentro pode me ver! Ora, você também estava com vontade de falar comigo.

Kaninchen não pôde negar.

- Realmente... mas você não pode aparecer a essa hora perto da confeitaria!

- Relaxa! É só você parar de olhar pra mim e ninguém vai desconfiar que estou aqui.

- Tudo bem, então - concordou, voltando a encarar a paisagem à sua frente.

- E o que eles sabem sobre nós e o diário?

- TUDO!

- Kani, acalme-se e volte a olhar para frente! - advertiu. - O que os dois já contaram?

- Bom, eles estavam falando da história deles. De como eles chegaram aqui e tal... Não revelaram tanta coisa.

- E sobre o diário? - indagou Wert.

- Não disseram nada ainda. Só que foi seu irmão quem o escreveu. Foram dormir e, quando acordarem, os desgraçados pretendem revelar tudo!

- Malditos! Não pode impedi-los?

- E como eu vou fazer isso? Todos estão juntos agora! Todos estão sendo vigiados, estou me sentindo como em uma prisão! Agora vá! Assim que puder, te procurarei para conversarmos.

- Tudo bem, eu vou. Mas antes...

Como não ouviu mais nenhuma palavra, Kaninchen olhou para ver o que estaria fazendo e viu Wert colocar no chão um pequeno embrulho do tamanho de um tijolo.

- O que é isso? - perguntou Kan.

- Você sabe o que é.

- E para quê?

- Ora, é óbvio.

- Você quer que eu exploda a confeitaria? - espantou-se.

- Talvez, se os dois intrusos do outro grupo estiverem dentro dela, poderia ser útil....

- Ei, você enlouqueceu? Isso aqui é a nossa fonte de mantimentos, eu não posso jogar tudo pelos ares!

- Você é quem sabe.

Kaninchen inquietou-se com seus pensamentos enquanto Wert se afastava, sem olhar para trás. A bomba estava ali, ao lado da confeitaria.

Quando, pela segunda vez naquele dia ouviu chamarem seu nome, fez um gesto para a pessoa e se levantou, entrando na confeitaria.

Não sem antes dar, de relance, uma olhada no embrulho e imaginar se não seria aquela a única solução...

(Continua...)

FELIZ NATAL A TODOS!


Próximo capítulo: Quarta-feira, 26 de dezembro