domingo, 7 de outubro de 2007

Capítulo 20 - As Marcas do Fogo

“Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas vem o fogo; do fogo brota a luz”.
(Victor Hugo)


Não foi difícil para as pessoas que estavam naquele restaurante finlandês, perceber que o fogo havia participado de algum acontecimento na noite que havia se passado. Ao acordarem, por volta das sete horas, notaram que ao longe subia uma fumaça preta que infestava o ar e sumia na imensidão anil do céu. Correndo em direção à fonte do fogo, os doze chegaram à casa em que Melina havia se escondido e armado seu plano poucas horas atrás.

O incêndio provocado por um isqueiro obviamente não teve muita significância para a estrutura do local, mas conseguiu provocar consideráveis estragos - como a pulverização das cortinas - e atingir seu objetivo de atrair todos para lá.

Quando eles chegaram à casa, viram que todas as janelas estavam fechadas, provavelmente para que a fumaça não escapasse, mas a porta havia sido esquecida aberta. Portanto, já do lado de fora era possível deslumbrar uma cena bastante instigante: Melina estava deitada no chão de costas, inteiramente nua. Das roupas da moça, jogadas em um canto do cômodo, só sobravam frangalhos, pois sua maior parte havia sido consumida pelo fogo.

Resolvendo ver a cena mais de perto, todos entraram na casa. Como o incêndio havia sido causado, ninguém sabia explicar, mas evidentemente a pessoa que já havia provocado os outros assassinatos estivera ali. E isso era fácil de se deduzir pelos quatro buracos nas costas da moça, de onde o sangue derramava e manchava o chão coberto de cinzas.

Também na parte de trás de Melina havia marcas feitas pelo fogo. E, curiosamente, as queimaduras - que iam do pescoço à região do cóccix - pareciam formar uma palavra. Elas haviam sido provocadas de modo que as cicatrizes nas costas da mulher assumiam a peculiar forma de letras.

Porém, desviando a atenção da palavra escrita em Melina, eles notaram uma parte da parede da sala de jantar diferente das outras.

- Venham ver isso - chamou Johann, o primeiro a entrar no cômodo.

Algumas pessoas acataram a chamada do saxofonista e foram até onde ele estava; alguns utilizaram isso somente como um pretexto para não terem que permanecer na sala de entrada e vislumbrar o cadáver da argentina. Os outros continuaram observando Melina e, principalmente, o que havia sido escrito em suas costas.

Mesmo a sala de jantar não tendo sido afetada pelo incêndio, uma grande parte da parede estava descascada. A mesa de vidro que havia no centro aparentemente havia sido deslocada e algumas gavetas tinham sido retiradas do lugar e deixadas no chão. Em resposta à indagação de Samantha de por que alguém havia se ocupado em desfigurar a parede, Edwin respondeu:

- Provavelmente a pintura foi arrancada por quem matou Melina. Já houveram casos parecidos na época em que servi o exército. Creio que nessa parte da parede tinha algo escrito ou pintado que incriminava alguém, o que obrigou a pessoa acusada pela mensagem a apagar a prova sobre sua identidade às pressas.

- O que poderia estar escrito?

- O nome do assassino, por exemplo. - declarou Edwin.

Como não havia algo que lhes permitisse ter uma pista do que estava pintado na parede, resolveram se concentrar no fato mais surpreendente de toda aquela cena. Quando todos retornaram à sala de entrada, puseram-se os doze em volta do corpo pálido e frígido de Melina.

Nada ali chamava mais atenção e aparentava saltar aos olhos de quem olhava atentamente do que as marcas no corpo deitado no chão. Pareciam ter sido provocadas com um isqueiro, ou um fósforo, e, logicamente, haviam sido feitas por quem baleara Melina. E a palavra formada era tão estranha que somente um detalhe fez aquelas pessoas descartarem a possibilidade de que aquilo eram somente letras aleatórias: as três primeiras letras.

- K, A, N... - começou a ler Davis.

Não continuou. Deixou que o único barulho naquela casa fosse somente o de duas peças de um mesmo quebra-cabeça imaginário se encaixando.

Desde que aquelas dezessete pessoas chegaram àquela cidade há alguns dias muitas incógnitas foram surgindo. E, apesar de que a cada dia todos os mistérios pareciam cada vez mais interligados, só agora eles estavam realmente começando a fazer sentido juntos.

- Kan?! - repetiu Joanne, estupefata.

- Então era sobre isso que Willard queria nos alertar quando nos disse para termos cuidado com o Kan. - falou Jacques, empolgado com a descoberta - Kan é o serial killer da cidade, que mata os outros brutalmente e sem motivo.

- Eu não teria tanta certeza - começou Gary. - de que ele não tem uma boa justificativa para assassinar suas vítimas.

Como diversas outras vezes, todos se viraram para Gary. A suspeita de que ele fosse o assassino estava ardente na mente de alguns e o professor universitário nada fazia para provar o contrário. Gary simplesmente virou as costas e saiu pela porta, como sempre fazia.

Voltando a atenção para Melina, Anthony se pôs a ler o resto da palavra.

- K, a, n, i, n, c, h, e, n.

- Kaninchen? É esse o nome do assassino? O que significa isso? - indagou Nicholas.

- É finlandês, Edwin? - perguntou Samantha ao arquiteto.

- Não, acho que não, Samantha, parece que é alemão. No entanto, me lembra um pouco uma palavra finlandesa...

- Mesmo? E qual é?

- Kaniini. E pelo pouco que eu conheço do idioma da Alemanha, poderia apostar que tem o mesmo significado de Kaninchen.

Como parecia que ninguém exceto Edwin sabia a definição daquela palavra, ele imaginou a cara de admiração que eles fariam ao saber o que ela significava. Enquanto isso, todos os outros aguardavam ansiosos o esclarecimento do arquiteto, esperando que a acepção da palavra lhes dissesse um pouco mais acerca do assassino entre eles.

- Fale logo Edwin, qual a tradução?

- Ora - ele respondeu, sorrindo. - tentem adivinhar!

- Assassino? - arriscou Joanne.

- Atirador? - tentou Susan.

- Morte? - disse Jacques.

Pensando um pouco, Anthony sugeriu:

- Sangue?

- Nada disso! - exclamou Edwin, divertindo-se.

- O que quer dizer Kaniini então?

- Quer dizer, simplesmente, "coelho".

(Continua...)


Próximo capítulo: Domingo, 14 de outubro