domingo, 22 de julho de 2007

Capítulo 9 - Onde está Ian?

Nos capítulos anteriores...

Dezessete pessoas se vêem inesperadamente em uma cidade muito estranha. Após presenciarem a morte de um homem assassinado, todos repousam na praça onde se localiza uma bela estátua representando dois jogadores e um tabuleiro de xadrez.



Ian acordou cedo naquela manhã. Estava acostumado a levantar com o nascer do Sol. Seu sono também não havia sido muito agradável; todos dormiam sobre o chão da praça, sem nada parecido com travesseiros ou colchões.

Ian tinha um problema auditivo e trabalhava duro para poder comprar um aparelho que simulava uma boa audição. No entanto, havia perdido o emprego de mecânico empresarial, quando a fábrica falira há cinco meses e, desde então, não estava fácil arranjar outro. E ele sempre acreditou que o motivo era o fato dele ser negro.

Ian cresceu achando que ninguém pensaria em empregar alguém que tinha nascido em Bloemfontein, na África do Sul. Apesar de ter consigo o cargo de mecânico, Ian almejava mais, um cargo melhor, e estava cada vez mais difícil para ele competir no mundo empresarial. Quase nunca as pessoas notavam sua deficiência auditiva, pois Ian havia aprendido ler lábios com grande facilidade, e, como ele sabia disso, buscou um outro motivo para estar desempregado há tanto tempo; e foi na primeira justificativa que encontrou que ele passou a confiar: o preconceito.

Como ninguém havia acordado ainda, ele saiu para dar uma volta e ver se encontrava algo de novo naquela cidade. Um lugar que não tem fim? Era a coisa mais improvável que ele já tinha ouvido.

Não aceitaria que isso fosse verdade até ver com seus próprios olhos.

Enquanto caminhava rumo a alguma saída da cidade, Ian, curiosamente, se lembrou de quando tinha doze anos e teve que se mudar da África porque o seu pai arranjara um emprego em outro continente.

E foi para a cidade em que se mudou que viveu até um dia atrás, até ser trazido para esse lugar tão estranho em que estava agora.

Ian havia ouvido uma vez que quando as pessoas estão próximas da morte, começam a recordar fatos marcantes da juventude; contudo, ele nem se lembrava disso e, portanto, continuou andando.

Caminhava pelas ruas, tranquilamente, procurando algo que nem ele sabia o que era, tentando desvendar o mistério daquele lugar. E nunca mais voltou.

* * *

Dezesseis, pensou Nicholas.

Ele havia acabado de acordar e estivera contando quantas pessoas estavam ali. Como havia dado falta de Ian - com quem havia trocado idéias no dia anterior - resolveu averiguar se mais alguém não estava ali.

Felizmente, só Ian havia acordado antes e, provavelmente, saído para caminhar.

Quando eram dez horas da manhã, todos já haviam levantado. Nicholas, começando a se preocupar com o sumiço do mais novo amigo, comentou com Lisa, sua esposa:

- Querida, o Ian sumiu há horas e até agora não voltou.

- Quem é Ian? - perguntou ela.

- O homem com quem eu estava conversando ontem à noite.

- Do sul da África?

- Esse. Você acha que pode ter acontecido alguma coisa com ele?

- Não, acho que ele está bem. Ele sabe se cuidar. Estou preocupada é com nossos filhos... como será que estão eles?

O olhar de Lisa refletiu um sentimento de desespero. Seu marido não tinha palavras para consolá-la, também estava aflito com a situação. Nicholas e Lisa tinham dois filhos: Luke e Christopher. O fato de eles não terem babá e o parente mais próximo deles morar a quilômetros da cidade a preocupava. Lisa Gilmore temia que, se eles não voltassem logo, algo de ruim poderia acontecer.

Como Melina - uma argentina que estava no grupo - ouviu a conversa do casal, resolveu conversar com Lisa para acalmá-la.

Enquanto isso, Joanne e Susan tentavam se comunicar com Lin Tseng, uma simpática chinesa. Havia saído da China recentemente, e ainda não havia se acostumado com outro idioma.

- Qual seu nome? No-me. Qual o seu nome?

- Dezanove. – respondeu.

- Não, não a idade! – tentou a jornalista Susan. – O nome! Eu, Susan. Você...?

- Eu entediada! – gritou Jaqueline de longe, enquanto se ajeitava para recostar em uma árvore da praça onde todos conversavam.

Joanne fez um gesto de silêncio para a irmã e virou-se para Lin.

- Eu, Lin.

Pelo sorriso que se abriu nos rostos de Joanne e Susan, a menina soube que era exatamente isso que elas queriam.

E assim foi durante duas horas. Sem a mínima idéia de como arranjariam algo para comer ou mesmo como sairiam dali, para aquelas pessoas não restava nada a fazer exceto conversar.

Foi então que começou a chover. Pequenas gotas caíram do céu como lágrimas, sem impedirem que alguns raios do Sol ainda chegassem a eles. Não costumava chover naquela época do ano, porém ninguém estava preocupado com isso.

Dezesseis pessoas se ocupavam em refugiar-se em baixo de galhos de árvores e somente uma dava falta de um integrante do grupo. Nicholas Gilmore aquietava-se e não conseguia desviar sua atenção do paradeiro de Ian.

O marido de Lisa sabia que Ian conseguiria se virar sozinho, mas a visão de um homem morrendo na sua frente havia abalado Nicholas profundamente e ele temia ter que presenciar isso de novo. Mais do que isso, seus dois filhos, ambos crianças, deviam estar nesse exato momento se perguntando onde os pais haviam ido e quando eles iram voltar. A apreensão de Nicholas ainda era outra: será que eles iam voltar?

Nesse instante, uma coisa inesperada aconteceu.

(Continua...)

Próximo capítulo: Domingo, 29 de julho